quinta-feira, 30 de novembro de 2017

UM POEMA DE JOÃO PAULO ESTEVES DA SILVA


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Está combinado, então, vamos começar o novo ano, é hoje
Ainda não sabemos onde deitar os anos velhos, mas não faz mal

Começaremos tal e qual como nas brincadeiras, ninguém se mexe antes do sinal
E, todos à uma, obedecem à voz do chefe, seja menino ou menina, conforme calha

O chefe, hoje, será o relógio, ou antes o coro dos relógios católicos romanos
Que começaram a contar a partir do instante em que a graça chegou ao mundo

Antes disso vivia-se sem graça, abaixo de zero, só desde então
Com graça, em anos positivos, e é este o mito que nos comanda

Precisamos de histórias inventadas, de contagens assim, ou perdemo-nos
George Eliot, este nome é também um começo inventado

Lembra, falando de começos, que até a ciência precisa de histórias
A que chama hipóteses e axiomas, e ela, George, escritora inglesa

Precisou, à partida, de se disfarçar de escritor inglês, e de instalar
No subconsciente dos leitores uma pila imaginária, mitológica

Corriam outros tempos, outras graças, mas é possível mudar
Os mitos, mudar de história, saltar para fora do império romano

Aqui no tablet, por exemplo, posso sincronizar-me com o tempo judaico
Um ligeiro toque e já não acaba o ano, já lá vai a festa

Hoje, dia 17 do mês de Tevet de cinco mil setecentos e setenta e seis
Um dia simples, vago, no mês das chuvas lamacentas da babilónia

Vou telefonar a desejar boas entradas à família e aos amigos
Ninguém vai suspeitar que estou a ligar do estrangeiro


João Paulo Esteves da Silva, in Vertem-se Bíblias em Quimbundo, com CD Crime, Mia Soave, Abril de 2017, s/p.

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