quinta-feira, 18 de maio de 2017

EFEITO SERPICO

Adormeci no sofá enquanto revia Serpico num qualquer canal de filmes do MEO. Não me recordo até onde consegui acompanhar as desventuras de Al Pacino, polícia singular na New York dos anos 70. Contra o seu idealismo juvenil, colegas corruptos e chefes manipuladores, insidiosos. Mais uma vez a hipocrisia enquanto lei natural no domínio da corporação. Podemos passar a vida a fingir que está tudo bem, cedendo aqui e acolá, compensando pela calada abusos de poder que jamais alguém admitiria se confrontado em tribunal com os mesmos. A honestidade não é para aqui chamada. Importa responder ao que é exigido segundo as regras de quem exige, regras contrárias a uma lei que não protege nem da coacção nem do bullying exercido por quem manda. No fundo, o sucesso exige capacidade de adaptação à mentira. Viver em mentira, de acordo com o assédio de quem impõe as regras. Cair nas boas graças é isto mesmo. E por mais que se lute contra isto, há sempre uma “alma caridosa” qualquer que, ou não o percebendo, ou fazendo orelhas moucas, cede ao assédio e quebra um elo entre os mais fracos que seria indispensável ao combate. Esta cedência é imperdoável, diz muito da fraqueza com que os idealistas têm de lidar. Esta cedência vampiriza a força da união, quebrando-a, fracturando-a, legitimando os abusos, a hipocrisia, a mentira. Adormeci a ver Serpico.

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