domingo, 5 de março de 2017

O PIANISTA


Podia ser hoje numa cidade síria, mas é apenas o plano de um filme sobre a ocupação de Varsóvia durante a II Grande Guerra. Talvez um dia venhamos a saber de Władysław Szpilman sírios, também por lá devem existir sobreviventes com talentos inimitáveis. Revejo O Pianista com uma dúvida acerca da passividade judaica, dúvida ingénua a merecer logo recriminações. A passividade explica-se pelo respeito à lei. É irónico que tenha a lei surgido para proteger os fracos, acabando por se transformar numa arma que justifica a barbárie na consciência dos fortes. Já sabemos onde pode levar-nos a lei, a ordem, a regra, a norma, o dever, o respeito cego, a reverência, a absoluta adoração da palavra. A história admirável de Szpilman é de sobrevivência, antes de mais. Mas é também a de uma enorme e corajosa capacidade de fintar a lei, de não lhe ser subserviente questionando-a, exercendo sobre ela o teste moral da crítica. Tanto o pianista como o oficial alemão que o auxiliou, foram verdadeiramente humanos quando desobedeceram, quando entenderam haver na organização social então em vigor uma terrível atmosfera de insanidade. É provável que a música os tenha aproximado no que em cada um havia de essencialmente bondoso, a música tem esse poder transformador como nenhuma outra arte porque nos abstrai da palavra. A sua linguagem é outra, as suas regras são outras, a música é a palavra descansando do sentido. E só a isso devíamos chamar divino. Julgo que se em vez de falarmos cantássemos, se comunicássemos a cantar como os pássaros, voaríamos mais e rastejaríamos menos. Infelizmente, perco a esperança sempre que vejo um musical. Se comunicássemos a cantar seríamos ainda mais ridículos. Melhor permanecer calado, a saborear de olhos fechados a geleia oferecida pelo inimigo. 

2 comentários:

Anónimo disse...

https://en.wikipedia.org/wiki/Warsaw_Ghetto_Uprising

hmbf disse...

Também está retratado no filme.