quarta-feira, 8 de março de 2017

BALADA TRISTE


Timidamente o sonho espreita.
Esqueço o meu corpo
e a dimensão de me encontrar
na terra estreita.

Estradas abertas, onde vão dar?
De madressilvas e rosas bravas
o cheiro ardente
são histórias verdes
que se entrelaçam
e sobrevoam
o sol poído de recordar.

Inverno, estio,
nova passagem outonal?
Já não importa.
Estradas, estradas
a algum lado hão-de levar
o meu cansaço.
Nem a dormir claro se mostra
o sonho.
Não me possui. Timidamente
é só aragem onde me deito.
Timidamente. Não há mais nada.


Maria da Graça Freire (n. 1911 - m. 1993), in Inventário (1980). «Uma poesia de anotações, sobretudo de durações de longos espaços interiores (entre a memória, a sensação do passado, a visão de um futuro). / Há, todavia, que salientar o tratamento de alguns temas ou vectores, porém timidamente explorados: é o caso de um desejo de aniquilamento pessoal (caro à poesia de Camilo Pessanha e de Natércia), presente em poemas como "Balada Triste", ou a procura de uma portugalidade universal, bem como a habitual intrusão do sobrenatural, o fascínio do distante, para citar talvez os mais conseguidos (Pedro Sena-Lino, in Só a Viagem Responde). «A leitura de "Inventário", onde reúne a sua obra poética, revela-se paradigma de uma escrita ao serviço de uma ideologia. (...) A ideologia que a motiva é uma ética que se apresenta intrinsecamente ligada à espiritualidade. Assim, encontramos nestes poemas uma linha retórica muito oscilante, não poucas vezes incoerente no ritmo pela presença aleatória da rima, no (des)esquilíbrio entre versos, frases e estrofes. O trabalho da palavra não foi desenvolvido com a intenção de dar vida ao texto e sim de consubstanciar um ideal, de exemplificar sem limite a sua esperança cosmológica» (Andreia Brites, ibidem).

1 comentário:

redonda disse...

Não a conhecia e nunca li nada dela. Gostei deste poema.