segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

STAGECOACH (1966)

Com uma vastíssima carreira em variadíssimas áreas associadas ao cinema, Gordon Douglas (n. 1907 – m. 1993) assinou praticamente uma centena de filmes em múltiplos géneros. O western não foi excepção. Jean Tulard coloca-o mesmo entre os melhores neste domínio, considerando Rio Conchos (1964) uma obra-prima e referindo-se de forma assaz entusiástica a filmes tais como Fort Dobbs (1958), Yellowstone Kelly/O Gigante do Oeste (1959) e Gold of the Seven Saints (1961), todos protagonizados pelo actor Clint Walker. A pedra no sapato é Stagecoach/Cavalgada de Paixões (1966), remake de um dos mais icónicos filmes de John Ford e, para muitos, o western dos westerns
O original Stagecoach/Cavalgada Heróica (1939) chegou a arrecadar dois Oscars, colocando-se numa posição que dificilmente livraria da heresia qualquer tentativa de reprodução. Douglas empenhou-se em desconstruir a intensidade dramática do filme de Ford, oferecendo à sua versão uma faceta cómica que tem na interpretação de Bing Crosby um dos pontos de interesse. A paisagem é desinteressante, as cenas de perseguição e conflito perdem fulgor, mas o filme acaba por não ser tão mau quanto o pintam graças a esse elemento redentor do riso que humaniza personagens deveras teatrais num ambiente hostil e desconfortável. 
A comandar a diligência encontramos um Van Heflin mais velho e pesado do que aquele que tanto havíamos apreciado em Wings of the Hawk/As Asas do Gavião (1953), mas no interior da carruagem mantém-se uma vivacidade social capaz de condensar num pequeno espaço as divergências de uma comunidade. Ann-Margret é a prostituta excomungada, Red Buttons o ingénuo vendedor ambulante, Mike Connors o descaminhado filho de boas famílias, Alex Cord o fora-da-lei de bom coração, Bing Crosby o médico alcoólico de uma sociedade falida, Robert Cummings o banqueiro vigarista e Stefanie Powers a dedicada mulher de um militar. A cada uma destas personagens podíamos fazer corresponder cada um dos sete pecados mortais, não se desse o caso de ser muito mais interessante olhar para elas enquanto partes integrantes de uma comunidade a desintegrar-se. 
O foco não é, deste modo, colocado nas personalidades individuais, mas sim nas formas de interacção que aproximam e afastam cada um dos elementos desta diligência à beira do abismo. A caminho de Cheyenne, os segredos que cada um carrega tornam-se irrelevantes face à necessidade de conjugar esforços perante o fogo cruzado do inimigo. 
Já na década de 1980, Ted Post, o de Hang ‘Em High (1968), também se aventurou sem sucesso numa reconstrução do clássico de Ford. O problema é nada ser possível melhorar numa obra já de si perfeita. Ainda assim, o filme de Doulgas tem o mérito da heresia. Muito dado a remakes, o western é um género onde quase sempre uma excessiva reverência ao original atraiçoa as expectativas. Artifícios tecnológicos novos não são quanto basta para a reinvenção de um clássico. Gordon Douglas não só foi parcimonioso no uso de tais artifícios como parece desinteressado de copiar a aura trágica do original, recolorindo com tons de comédia cenas que roubam tensão ao todo mas descomprimem cada uma das personagens em acção. O resultado é claramente popular, numa tentativa de reaproximar das massas um género que havia perdido fôlego nos últimos anos e quase parecia estar morto na década de 1960. 
Compreende-se, pois, que tenha havido quem considerasse desastrosos tais esforços, mas passados cinquenta anos a cavalgada de paixões guiada por Van Heflin tem um outro impacto. Tornou-se um objecto de colecção que nos permite pensar como é que ao longo de 100 anos foi possível ir realizando “filmes de cowboys” sem que o género se esgotasse nos seus inevitáveis clichés.


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