domingo, 8 de janeiro de 2017

YELLOW SKY (1948)





Não é de todo exagerado colocar Yellow Sky/A Cidade Abandonada (1948) entre as obras-primas do género western. Tal como acontecia em The Ox-Bow Incident (1943), Lamar Trotti escreveu o argumento, a partir de um romance inacabado de W. R. Burnett, e William A. Wellman (n. 1896 – m. 1975) realizou. Há quem refira aproximações à peça The Tempest, de William Shakespeare, mas são mais evidentes as referências bíblicas, desde a épica travessia do deserto logo no início do filme à redenção final dos salteadores em fuga. O filme começa com o assalto a um banco por uma quadrilha onde encontramos alguns rostos familiares. Gregory Peck é o líder, secundado por um Richard Widmark bem mais traiçoeiro do que noutras ocasiões. Mas há ainda, entre outros, o imponente John Russell e o discreto Harry Morgan.
Perseguido no seguimento do assalto, o bando segue por um deserto de sal que os homens da lei não se atrevem a penetrar. A sequência da travessia é magistral, com os cavalos a enterrarem-se no terreno, o calor pressentido nos lábios gretados dos actores, a falta de água manifestando-se no discurso e nos gestos arrastados, alguns instantes de delírio travados por uma absoluta necessidade de autocontrolo, acompanhados de um desespero crescente que a obstinação do líder insiste em renunciar. Quando o grupo ali entra, só sabemos que pode nunca mais dali sair. Até ao momento em que no horizonte surge a miragem de uma cidade, e com ela a possibilidade de se encontrar o mais precioso dos bens: água. 
Yellow Sky é a cidade, ou, mais literalmente, é a miragem de cidade. William A. Wellman oferece-nos neste filme um dos cenários míticos do antigo Oeste, o das cidades fantasma. Aparecem em inúmeros westerns ao longo dos tempos, mas em poucos com a estética da desolação que Yellow Sky ressalta. Edifícios abandonados, sombras, letreiros caídos, muito pó e vento, claro, uma desarrumação e ruína inconciliáveis com os dois últimos e resistentes dos seus habitantes. São precisamente estes dois últimos habitantes quem torna mais consistente a ruína do local, na medida em que guardam na sua memória um passado que nos será acessível aos fogachos como quem descobre a lógica de uma queda. 
O primeiro a aparecer em cena é uma jovem e belíssima Anne Baxter, de caçadeira nas mãos a abordar um bando de bandidos, mais mortos do que vivos, desesperando por uma água que ela não lhes negará. A jovem “Mike” vive isolada em Yellow Sky com o avô, velho mineiro com uma história para contar sobre os tempos da corrida ao ouro. Passado e futuro coabitam como fantasmas numa cidade abandonada que será uma espécie de purgatório para o bando de sequiosos ali chegados. Com a alma vendida ao demónio, a prova a que estarão sujeitos será a de honrarem a mão que os livrou da morte certa ou traírem-na com uma ilimitada avidez. 
Entre a água que lhes matou a sede e o ouro que os torna de novo sedentos intromete-se, no entanto, a luminosa “Mike”. Para onde penderá o coração de cada um será o rumo natural desta história, pautada pela velha moral de que cada um tem o castigo que procura. Ao longo do filme, é evidente a alternância de cenas nocturnas com sequências à luz do dia. O percurso que leva a personagem de Gregory Peck das trevas à luz é o de uma caminhada purificadora do homem ao encontro da sua essência, redimido pela redescoberta do amor e do valor da palavra. 
Embora os temas morais sejam evidentemente privilegiados por Wellman, neste filme eles conjugam-se com uma estética da desolação que não pode ser negligenciada. É como se todo o filme tivesse sido rodado sobre cinzas, para que destas seja mais evidente o renascimento operado na personagem principal. James ‘Stretch’ Dawson chegou a Yellow Sky mais morto do que vivo. Na realidade, não temos sequer a certeza de que tenha chegado vivo. Tudo o que se passará em A Cidade Abandonada é tão improvável em terra que não terá sido por acaso darem o nome de Sky ao local, um céu amarelo como o do purgatório. O paraíso será o destino final. Chama-se Constance Mae, mais conhecida por ‘Mike’. 

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