sábado, 17 de setembro de 2016

THE MAN FROM COLORADO (1948)

Henry Levin (n. 1909 – m. 1980) é um daqueles casos onde a prolixidade pode salvar alguém da absoluta mediocridade. Actor e encenador, chegou ao cinema como argumentista ainda na década de 1940. Rapidamente começou a realizar os seus próprios filmes, estreando-se nos territórios do horror e do filme de guerra. Dizem os historiadores e os críticos que desse período inicial há um único filme a reter, um western intitulado The Man from Colorado/Pena de Talião (1948). Do período posterior, informam os manuais dever evitar-se as comédias musicais (“execráveis”). Alguns thrillers e, sobretudo, a adaptação de um clássico de Júlio Verne salvaram a carreira de Levin enquanto realizador. Journey to the Center of the Earth/Viagem ao Centro da Terra (1959) mereceu três nomeações para os Oscars. Mas vamos ao western. The Man from Colorado surge na época de ouro do género, rodeado de obras-primas assinadas por John Ford e Howard Hawks. São do mesmo ano Fort Apache e Red River. Para cabeças de cartaz Levin requisita dois actores que hão-de brilhar noutras recriações do velho oeste, Glenn Ford em 3:10 to Yuma/O Comboio das 3 e 10 (1957) e o enorme William Holden em filmes como Escape From Fort Bravo/A Fuga de Forte Bravo (1953), The Horse Soldiers/Os Cavaleiros (1959) ou The Wild Bunch/A Quadrilha Selvagem (1969). Excelentes prenúncios, portanto. Mas o ingrediente principal é mesmo o argumento, baseado numa história do omnipresente Borden Chase. The Man from Colorado aproxima-se de outras histórias de Chase, cuja principal característica era a capacidade de oferecer às suas personagens uma forte tensão psicológica a partir de situações limite e conflitos morais que provocavam ansiedade e agitação. Neste sentido, Levin confere à narrativa as tonalidades de um thriller com dois velhos amigos a tornarem-se, progressivamente e por força das circunstâncias, inimigos fatais. Estamos no fim da Guerra de Secessão, os homens do áspero coronel Owen Devereaux regressam a casa. Ao lado do coronel, o capitão e leal amigo Del Stewart procura entender métodos e decisões ambivalentes. O seu papel é o de um observador chamado a agir face ao descontrole das situações. O próprio coronel questiona-se intimamente acerca do seu estado mental, mas não consegue resistir ao ímpeto de matar. A guerra deixou máculas, a justiça das decisões encontra-se ameaçada por uma alienação moral que esbate as fronteiras entre a normalidade e a loucura. 



A situação agrava-se quando para o lugar de juiz federal, onde é suposto governar a razão e a justeza de princípios, é eleito alguém afectado pelo exercício do poder durante a guerra. As decisões do ex-coronel, convertido em juiz, tornam-se turvas, difíceis de entender à luz da justiça. Talvez conforme a lei, mas jamais conforme a razão. Assistimos, assim, a um exercício peculiar de crítica com o heroísmo dos veteranos no centro do debate. A dúvida não se coloca tanto sobre a capacidade para o exercício de determinadas funções, como parece incidir sobre as circunstâncias e as condições que determinam a capacidade de um homem para ajuizar determinada situação. Tema sempre actual, como vamos observando no nosso dia-a-dia, seria interessante oferecer aos oficiais de justiça a possibilidade de assistirem a um filme assim. Quantas das decisões de quem aplica a lei não estão contaminadas pelas circunstâncias pessoais do decisor? Por mais heróico que tenha sido o passado de um homem, estará ele, por esse mesmo passado, habilitado a exercer a justiça sem que esta seja infectada pelos seus demónios pessoais? Ainda que pertinente, o título português não respeita a complexidade de tais discussões. A transformação operada no juiz Owen Devereaux não deve restringir-se ao domínio da aplicação da lei, por mais que seja evidente o desejo de retaliação que determina tantas das decisões tomadas. O dilema fundamental é de ordem psicológica. Henry Levine demonstrou ter mestria suficiente para recriar a história de Borden Chase segundo os seus princípios essenciais, não deixando de lado questões como as da reintegração dos ex-combatentes, o direito à propriedade individual, a promiscuidade política, a ganância do poder económico. Mas é a tensão psicológica da personagem interpretada por Glenn Ford o que mais nos interessa, ela pontua os ritmos da acção. Tudo no filme acontece como efeito de uma causa, a progressiva perda de lucidez do juiz Owen Devereaux. Em aberto fica a possibilidade de especularmos sobre as razões de tal degeneração, sendo a mais evidente de todas aquilo a que hoje damos o nome de stress de guerra. Menos evidente talvez seja a peçonha do poder, aquilo que leva um homem a esquecer-se de que é homem e a tomar-se por Deus. 

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