domingo, 21 de agosto de 2016

ROCHAS


Não sei por que me agrada esta paisagem, tem tudo para me desagradar. Olho para estas rochas e não entendo nada do que nelas me atrai. Talvez por isso me atraiam, por não entendê-las. Sim, desde sempre este fascínio pelo ininteligível, pelo absurdo, pelos paradoxos. Sei que morreria feliz sabendo que espalhariam as minhas cinzas por ali, que a minha memória se fundiria para sempre com o mar, com a areia, com as rochas, com esta ausência absoluta de sentido. Um geólogo terá todas as explicações para as minhas dúvidas, mas ainda assim o mistério: como é possível haver paz nesta agressividade? A paisagem é agreste, porém pacificadora. Não estamos a falar de dunas com palmeiras, de quilómetros de areal com a água a afagar a Terra como um homem afaga um gato. Estamos a falar de perigos. O que há nisto de belo é a incerteza, não sabermos se a praia vai estar areada, se entre as rochas se escondeu algum polvo, se haverá mosquitos a atazanarem-nos a pele, se estaremos suficientemente abrigados de ventos e de tórridas manhãs. Anda-se descalço nestas margens e sente-se a natureza a entrar no corpo, como uma ferida, o peso da carne contra a solidez da rocha abre feridas nos pés com facilidade, mas são feridas e dores boas, nelas reside a solução que o crente vislumbra face à imagem de Deus. Já me magoei a sério por ali, já senti a vida em risco por ali, mas foi uma satisfação enorme perceber que não estava morto depois de escapar às rasteiras da vida. Agora não sei, sinto-me cansado, não retiro prazer das acções, a escrita é-me um sacrifício, o trabalho uma expiação, sinto que estou a cumprir uma pena por crimes que desconheço. O álcool desvia-me as atenções, mas estou farto. Sinto que sempre estive farto. Nenhuma privação, simplesmente saturado de farto. Só me apetece olhar, se pudesse concentrar-me totalmente nas retinas e ficar simplesmente a olhar.


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