segunda-feira, 28 de setembro de 2015

THE HOMESMAN



   Um homem chega a um Hotel no meio do nada. O plano é suficientemente absurdo para julgarmos ter sido colocados numa qualquer dimensão onírica da personagem. Olhamos para o edifício enorme em tons celestes, rodeado de areia e de vento, e somos interpelados pela improbabilidade do cenário. O homem está cansado, entra no Hotel e pede dois quartos, quatro banhos quentes e jantar para quatro pessoas famintas. Transporta consigo, numa carroça de prisioneiros, três mulheres com graves problemas mentais. Dizem-lhe que o Hotel está cheio. O homem pergunta: cheio de quê? O dono do Hotel é chamado e explica que aguardam a visita de uma dúzia de potenciais investidores. Enquanto se explica, uma empregada compõe a mesa do banquete perante o olhar faminto do homem que acabará por ser expulso. O homem afasta-se a rogar pragas horríveis que o empresário e os capangas escutam com indiferença. Regressará ao Hotel posteriormente, numa sequência nocturna subitamente iluminada pelo edifício em chamas. De uma das janelas vemos um corpo a cair e a gritar em agonia. É difícil assistir a esta sequência do filme The Homesman/Uma Dívida de Honra (2014) sem que venham à memória certas imagens dos atentados de 11 de Setembro. Com uma diferença chocante, a nossa simpatia recai sobre o terrorista. Não se pretende adivinhar na sequência uma qualquer leitura política, nem colocar sobre os ombros do realizador o peso de metáforas acidentais. Toda a sequência parece filmada a partir da perspectiva do espectador. É como se o realizador pretendesse assistir ao desempenho do actor no lugar do espectador, quando, na realidade, ele é ao mesmo tempo quem realiza e quem representa. Tommy Lee Jones, actor por demais conhecido e muito justamente oscarizado em papel secundário, tão justamente quão injusta vai sendo a não atribuição da estátua dourada para actor principal, conseguiu com esta segunda incursão atrás das câmaras uma nomeação para a Palme d’Or. Infelizmente a crítica não acompanhou o entusiasmo. Resta saber porquê. O filme conta a história do transporte de três mulheres capturadas pela loucura. Entre a paisagem desoladora do Nebraska e a sociedade segregacionista do Iowa, somos levados a entender tanto a loucura das mulheres (iluminada com o recurso a flashbacks) como o pragmatismo utilitário do homem a quem caberá a missão do transporte. George Briggs é um desertor solitário sem qualquer fé na humanidade até se cruzar com uma mulher de seu nome Mary Bee Cuddy, uma arrepiante Hilary Swank onde se adivinha um precipício interior evitado pela prática do bem e de uma música imaginária que o teclado de pano estendido sobre a mesa emite. É muito provável que um dia olhemos para este filme como hoje olhamos para os clássicos. E isso deve-se a alguns planos absolutamente poéticos, como o das três mulheres nuas a serem lavadas num rio ou o do rosto aflito de Swank perdida no deserto a meio da noite. Curioso que já noutras ocasiões tenhamos visto Tommy Lee Jones embrenhado em situações onde a fé e a dificuldade do amor são o maior desafio que se coloca ao homem numa sociedade onde o mal em privado se disfarça com a hipocrisia dos comportamentos sociais. Não foi assim no monumental In the Valley of Elah/No Vale de Elah (2007) ou no western The Missing/Desaparecidas (2003)? Simplesmente neste filme tais questões fazem-se acompanhar de uma desconstrução do imaginário épico instituído por um género clássico do cinema norte-americano. Jones olha para o passado contemplando apenas o que no presente merece ser contemplado, não estabelecendo, evitando mesmo estabelecer, diferenças essenciais que expliquem os comportamentos humanos. Ou seja, o que determina os comportamentos não é a paisagem. Podemos até dizer que os comportamentos condicionam a paisagem. No fundo, a humanidade mantém-se inalterada, com suas dúvidas e preconceitos, com suas muletas e disfarces. Tanto o bem como o mal são inerentes à condição humana e nada no mundo parece indicar que possamos alterar o que quer que seja a esse nível. Talvez a educação pelo exemplo, a determinação em amar e ser generoso que corroeu Mary Bee Cuddy mas libertou George Briggs. Será esta a mensagem que Cristo pretendeu deixar quando estava na cruz? O que fez Roma com essa mensagem?

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