quinta-feira, 5 de março de 2015

SÓ A VERGONHA SE DEMITE NESTE ANTRO DE PULHAS

Quando conjugadas, certas notícias exacerbam a pornografia do mundo em que vivemos. De regresso a casa, com o auto-rádio sintonizado na Antena 1, escuto a excelente crónica de Joaquim Vieira sobre as dívidas do Primeiro-ministro à Segurança Social. Quem disponibiliza essa crónica? Seria óptimo, tão perfeita me pareceu a síntese. Chego a casa e dão-me conta disto: fisco penhora alimentos doados para ajudar carenciados do Porto. Sem entender o sentido de tais notícias num país que é o meu, faço pausa para levar o cão à rua, vazar o lixo, fumar um cigarro. E penso como podiam ser límpidos os fins de tarde se fôssemos todos ignorantes.
Quando o Primeiro-ministro andou a faltar às suas obrigações, eu armei-me em esperto e mantive-me informado. Se tivesse sido ignorante talvez fosse mais feliz. Mas não, quis cumprir, informei-me, fui parvo. Os ignorantes são sempre os mais espertos, até chegam a Primeiro-ministro com currículos medíocres. Não precisam sequer de trabalhar, basta-lhes fazer o frete das juventudes partidárias onde se aprende a dizer com convicção sou um cidadãos honesto. Não obstante, por mais que o digam jamais será por dizê-lo que estas almas se tornarão, de facto, honestas. E Passos há muito demonstrou que o não é. Viveu de ajudas de custo quando outros – eu, por exemplo – tiveram que fazer pela vida para suportar os custos de não terem ajudas. Pior que eu, que sempre pude contar com uma família estável e unida, gente só e completamente desamparada, uns mais sérios, outros menos, uns mais exigentes, outros nem por isso, uns mais cumpridores, outros nem tanto, uns mais informados, outros mais ignorantes. Todos a fazer pela vida sem ajudas de custo.
Comecei a trabalhar e a descontar em 1997. Entre 2000 e 2008, tive que me desenrascar no labiríntico mundo das cadernetas de recibos. Quando o primeiro-ministro do meu país não pagava, aguardando que o Estado o incomodasse ou esperando talvez que o tempo liquidasse as dívidas, eu fui parvo, fui néscio, fui totó, fui imbecil. Ou seja, informei-me. E paguei, paguei sempre. Sei quanto me custou pagar. Era dinheirinho que me fazia falta, sobretudo quando chegavam aquelas alturas dos subsídios de férias e de Natal, ou coisa que o valha, e eu não via nada porque os recibos verdes não davam nem dão direito a nada. Às vezes esquecia-me de pagar, atrasava-me. Uma vez por um dia. Logo me recriminava, sobretudo quando chegavam as cartas para pagar multas e juros de mora porque me tinha atrasado... nem que fosse um só dia.
Que estupidez a minha. Se eu soubesse que podia pensar que era facultativo e esperar que prescrevesse. Mas que porra, a mim os directores gerais disto e daquilo sempre ameaçaram com penhoras. Eu, trabalhador independente a cumprir horários num colégio privado e em centros de formação profissional. Por vezes deslocava-me à Segurança Social para pagar, depois passei a fazê-lo por MB (quando dentro do prazo). Recordo-me que a determinada altura o montante que descontava aumentou exponencialmente. O Primeiro-ministro não se deve recordar, pois ele não pagava. Ele estava convencido de que era tudo facultativo.
Só quando chegou ao governo ocorreu à aventesma que era preciso pagar, lembrou-se com tal clareza que pôs todos a pagar taxas e sobretaxas e mais isto e aquilo e aqueloutro, por ser dever nacional contribuir para que ele passe por bom aluno no colégio alemão. Não satisfeito, aumentou impostos, usurpou direitos. Vivíamos acima das nossas possibilidades, embora, ao contrário dele, sempre tivéssemos pago as nossas dívidas. Pedro Passos Coelho é o nome deste patego que nos governa. Não se esqueçam do nome nem do rosto, ele há-de ser estudado nas escolas se o Crato continuar no ministério da tutela. Tais são as vantagens de se ser ignorante no mundo idealizado por estes pulhas.

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