domingo, 30 de março de 2014

THE FAR COUNTRY (1954)




Com argumento de Borden Chase, a quem devemos diálogos para westerns emblemáticos tais como Red River (1948), Winchester 73 (1950), Vera Cruz (1954) ou Backlash (1956), este The Far Country/Terra Distante (1954) ocupa um lugar especial na filmografia de Anthony Mann (1906-1967). Estamos longe das paisagens típicas do Oeste selvagem, afastados do deserto e das terras secas do sul, dos rochedos de Monument Valley que Ford filmou como ninguém ou das Alabama Hills que serviram de palco aos enredos de Budd Boetticher. Mann desloca-nos para Norte, na fronteira com o Canadá, onde no final do século XIX a corrida ao ouro de Klondike, no Yukon, fazia fervilhar cidades emergentes como Dawson City. A acção começa na cidade portuária de Seattle. Aí chega o cowboy interpretado por James Stewart, numa manhã de 1896, para embarcar com uma manada rumo a Skagway, no Alasca. Tem em vista as terras canadianas da fronteira, recentemente ocupadas por milhares de homens e mulheres em busca de uma vida próspera. É lá que o gado poderá valer o peso do ouro. Curiosamente, este desvio geográfico não desfaz vícios que conhecemos de outras paragens. Como algumas vezes repete uma das figuras secundárias do filme: onde há ouro há roubos, onde há roubos há mortes. E há crime. Este cowboy solitário e individualista, de seu nome Jeff Webster, tem um sócio. No velho Ben Tatum (interpretação de Walter Brennan ao nível do que vimos em Drums Across the River ou Rio Bravo) vislumbraremos um humanismo e uma ingenuidade que Jeff Webster não tem. Jeff desconfia das pessoas, não faz amigos, evita prender-se a quem ou o que quer que seja, está apenas comprometido com os seus objectivos pessoais, é capaz de voltar as costas à desgraça alheia com indiferença e sem remorso. Para ele tudo se resume a seguir o seu próprio caminho sem amparas nem convenções. A cumplicidade de Ben, em breve vítima da sua própria inocência, chama-o por vezes à razão e irá transformá-lo definitivamente. Mas até que isso aconteça, o filme de Anthony Mann é uma sucessão de episódios onde o egoísmo e a solidariedade medem forças, onde a confiança e a suspeita rivalizavam, onde o amor e o ciúme entram em duelo. Para tal, contribuem três personagens com quem Jeff Webster se cruza nesta digressão especial. 1.ª: a mulher fatal que começará por protegê-lo logo no embarque de Seattle e acabará defendendo-o no derradeiro duelo em Dawson City; 2.ª o juiz corrupto de Skagway, um Mr. Gannon superiormente encarnado por John McIntire (o mesmo de Backlash), de quem Jeff terá que fugir até acabar por se lhe opor num combate onde se joga tanto a vida como a honra; 3.ª a inocência de toda uma comunidade personificada tanto na jovem Renne Vallon como no velho sócio Ben Tatum. É contra a extorsão e a manipulação das gentes de Dawson City que Jeff Webster terá de confrontar o juiz Gannon, criminoso servindo-se da lei para impor a todos a vontade de um só homem. Aquilo a que assistiremos nas terras distantes do norte é a uma avalanche de raiva no peito cerrado de um homem, uma raiva calada tanto por uma certa insensibilidade como pelo egoísmo, uma raiva amansada por cálculos individualistas mas que a iniquidade espoletará com tremendo vigor. The Far Country não é, porém, apenas mais um western onde a consciência moral dos indivíduos transcende a injustiça das convenções, ou seja, não é mais um desses westerns onde a lei foi transformada em ferramenta do crime contra a qual só a boa consciência dos cidadãos poderá opor-se. Não é sequer um filme que apele à união das massas contra a injustiça sobre si exercida. É antes o filme de um homem só, em conflito consigo próprio, abrindo-se ao outro num processo violento onde a vitória final resulta numa humanização da personagem. A paisagem escarpada e fria onde decorre a acção torna-se, na sequência derradeira, numa espécie de retiro espiritual onde o profeta se recolheu para receber o mais importante dos mandamentos: que sendo um entre os demais não está só e, por isso, é com os demais que tem de conviver, actuando na justa medida desse bem comum que é a vida solidária. 

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