quarta-feira, 19 de março de 2014

MAN WITH THE GUN (1955)


Com menos de dez filmes no currículo, Richard Wilson (1915-1991) não fez história no cinema. Desempenhou um pequeno papel em Citizen Kane (1941), tendo, de resto, sido um dos produtores do Macbeth (1948) de Orson Welles (1915-1985). O seu primeiro filme enquanto realizador foi este Man With The Gun/Sozinho Contra a Cidade (1955), que escreveu coadjuvado por N. B. Stone Jr. (o mesmo de Ride The High Country, de Sam Peckinpah). Wilson parece ter um talento especial para personagens perversas e cenas onde a maldade se torna evidente. É famosa a abertura de Man Wiht The Gun, com a personagem interpretada pelo famigerado Leo Gordon a disparar sobre o cão de uma criança na pequena cidade de Sheridan (Wyoming). Tratados como cães, os cidadãos reúnem o concelho da cidade para encontrar uma solução. É preciso expurgar as ruas do crime e das ameaças levadas a cabo pelos homens de Dade Holman, um poderoso “magnata” local, obeso e sem escrúpulos, que veremos apenas na última cena do filme. Holman faz-se representar pelos seus capangas, não se desloca à cidade onde tem interesses comerciais e impõe as suas regras. A comunidade fala dele com desprezo, mas cede. O sheriff local (excelente interpretação de Henry Hull) está mais preocupado em evitar problemas do que alimentar conflitos, passa o tempo a pôr água na fervura, demove o jovem e impulsivo Jeff Castle (John Lupton) de partir para o confronto, apela à calma e à paciência dos cidadãos de Sheridan. Eis se não quando entra em cena Clint Tollinger, magnificamente representado por Robert Mitchum. Na personagem de Tollinger, o filme apresenta-nos a figura do “town tamer” (pode ser traduzido como domador de cidades). Esta figura ambivalente consiste em substituir a lei ao serviço da ordem, ou seja, recorrendo a métodos agressivos e directos, como o uso das armas, ao “town tamer” cabe afastar a selvajaria da cidade. O pacificador Marshal Lee Sims vê-se, assim, ultrapassado pela contratação do domesticador Clint Tollinger. Mas entre ambos não encontraremos querelas. O interesse de Richard Wilson é pela dimensão psicológica de uma única personagem, a de Robert Mitchum. O filme não explora tanto as ambiguidades da lei como aprofunda as contradições da personalidade do “town tamer”, ao mesmo tempo que proporciona um retrato frio da comunidade que o contrata. Inicialmente dispostos a aceitar os métodos de Tollinger, os comerciantes locais acham-se entretanto ameaçados pelas consequências dos procedimentos. É como se sem crime não pudesse haver comércio e sem comércio fosse impossível à cidade sobreviver. Este círculo vicioso está patente na análise de Wilson, que filmou também uma inconveniente biografia de Al Capone (1959) onde as interligações entre a política, a justiça e o crime excedem os limites do aceitável. A realidade tal como ela é, portanto. E de uma actualidade ultrajante, se olharmos para como ainda hoje política e finança se promiscuem com a complacência, quando não cumplicidade, da justiça. Universal e intemporal, a caracterização efectuada pelo western arrasta consigo, porém, uma personagem rara. A questão central colocada por Man With The Gun é acerca das motivações do “town tamer”. Abandonado pela mulher, Clint Tollinger chega com a intenção de perceber porque foi abandonado e o que é feito da filha de ambos. Nelly Bain (Jan Sterling) dirige agora um bordel em Sheridan, afastada do passado e concentrando a sua acção nas prostitutas que para ela trabalham no saloon da cidade. Tollinger ficará também a saber que a filha de ambos morreu. Toda esta situação promove no seu íntimo indisfarçáveis sentimentos de revolta, ódio e vingança, transformando-se a personagem num palco trágico onde os métodos aplicados na profissão ecoam a raiva recalcada da vida pessoal. As duas dimensões (pessoal/profissional) parecem inseparáveis, convergindo para uma espécie de testemunho sobre a forma de entender a arte e, neste caso, o cinema, enquanto expressão, mais do que transfiguração, de aspectos íntimos da personalidade e da experiência pessoal daquele que cria. Deste modo, Richard Wilson concebe o cinema como um reflexo da própria vida filtrado pela representação. A sua linguagem dispensa alegorias e assessórios metafóricos, mas não é por isso que deixa de ser profunda.

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