terça-feira, 11 de março de 2014

DRUMS ACROSS THE RIVER (1954)



O western é um género onde os contrastes se evidenciam nos conflitos entre opostos. A justiça contra a injustiça, o mal opondo-se ao bem, a lei ao crime, amor e ódio, as primeiras cidades irrompendo num universo essencialmente rural, num contexto onde a matriz é ela própria instável: o “mundo civilizado” a tentar tomar conta dos “selvagens”. Mas quem olhe para estes choques como meras encenações de lutas entre cowboys e índios, perde a oportunidade de compreender a dimensão artística de um cinema que não pode ser reduzido exclusivamente à arte de entreter. Na realidade, não são assim tantos os westerns com cowboys (geralmente confundidos com pistoleiros), e menos aqueles que colocam tribos índias face a face com os homens do gado. Temos aqui, como ó óbvio, dois modos divergentes de encarar a existência: os índios, na sua origem, eram nómadas; os cowboys, apesar das longas deslocações, têm já sobre si a nuvem do sedentarismo. Numa fase mais avançada deste polémico encontro, encontramos divisões territoriais, distribuições assimétricas da riqueza e das terras, a separação geográfica imposta pela guerra, fomentando ódios e invejas, mas sobretudo uma desconfiança racial intransponível. O medo torna-se tema, e com ele a única força capaz de o combater, ou seja, a coragem. Nathan Juran (n. 1907 – m. 2002) empenhou-se na reflexão destas questões nos seus westerns (verdade seja dita, sem grande consistência). Apesar de ter sido um director artístico de monta, conseguindo um Oscar pelo trabalho colocado em prática no filme How Green Was My Valley (1941), de John Ford (n. 1894 – m. 1973), Nathan Juran nunca logrou igual reputação enquanto cineasta. Dos westerns que realizou, destaca-se Drums Across the River/Tambores ao Longe (1954) pelo esforço colocado na representação das problemáticas acima aludidas. Com um elenco menor, onde se destacam as presenças de Walter Brennan (o velho Stumpy de Rio Bravo) e do herói de guerra, entretanto transformado em actor pela máquina oportunista de Hollywood, Audie Murphy, nos papéis, respectivamente, de pai e filho, Juran pega numa história com vários ingredientes populares e procura construir um filme em torno da utopia, ao mesmo tempo sentimental e ingénua, da possibilidade de uma convivência pacífica entre índios da nação Ute e brancos estacionados na região (o Chefe Ouray evocado no filme existiu de facto). Estávamos no pós-guerra, é certo, e a questão vinha mesmo a calhar. Mas o aspecto demasiado polido das representações, apesar da pertinência do argumento, deixa muito a desejar. Ainda assim, este esforço merece uma referência para tentarmos perceber como a arte do entretenimento nem sempre anda de costas voltadas para as grandes questões políticas e sociais do seu tempo. O cenário é Crown City, uma cidade decadente do Colorado, construída por cima de minas de ouro entretanto extintas, onde um jovem bem comportado se junta a um grupo de rufias para tentar explorar as minas na margem índia do rio. A tentativa sai gorada, desencadeando uma situação tensa entre as duas margens, que deixará o jovem Gary Brannon (Audie Murphy) bastante comprometido perante os desordeiros de quem se tinha aproximado. Após várias trafulhices e alguns equívocos, tudo acabará bem, com o tradicional beijo no remate e muita esperança no futuro. Esta leitura ficcionada da realidade projectou no imaginário colectivo, desde que ganhou forma, toda uma série de falsas esperanças que o curso da História se vai encarregando de desmistificar. Como diz o povo, de boas intenções está o inferno cheio. E o cinema também.

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