domingo, 25 de agosto de 2013

THE SEARCHERS (1956)






Apesar de ter sido oscarizado pelo desempenho em True Grit/A Velha Raposa (1969), julgo que o grande momento na carreira de John Wayne acontece em The Searchers/A Desaparecida (1956). Quando fizeram este filme, Wayne e John Ford (1894-1973) já tinham trabalhado juntos em muitos outros. Lembremos Rio Grande (1950), She Wore a Yellow Ribbon/Os Dominadores (1949) e Fort Apache/Forte Apache (1948), a chamada Trilogia da Cavalaria. Esta parceria, que tanto deu que falar, atingiu no filme de 56 uma simbiose perfeita. Ver John Wayne a representar não é apenas assistir à encarnação de uma personagem. Trata-se de um caso em que o actor se transformou ele próprio numa personagem. Daí que muitas vezes nos sintamos tentados a admitir que os papéis de Wayne são sempre os mesmos em todos os seus filmes, porque em todos eles repete uma postura facilmente identificável. É possível que True Grit tenha sido um Oscar de carreira, mas em The Searchers John Ford desmaquilha John Wayne, consegue torná-lo tão seco como a poeira de Monument Valley, arrancando-o do Olimpo mitológico do Velho Oeste e colocando-o ao nível dos homens vulgares. Ou seja, transforma-o num actor de corpo inteiro. Nada há de divino na figura de Ethan Edwars, o homem que procura duas sobrinhas capturadas por um grupo Comanche chefiado pelo vingativo Scar (Cicatriz). O nome do chefe Comanche adquire aqui um simbolismo especial, na medida em que toda a história se desenrola em torno das cicatrizes deixadas pelos conflitos armados que fomentaram ódios, medos, desejos de vingança entre autóctones e colonos. Ford oferece a Wayne um papel onde ele consegue expressar as emoções de um rosto demasiadamente tipificado, da preocupação ao ódio, da raiva à desilusão, da esperança à perseverança, da ironia à sageza. Desde que regressa a casa do irmão Aaron até ao reencontro com a sobrinha Debbie (Natalie Wood), Ethan Edwards como que se vai redescobrindo a si próprio, as emoções soltam-se-lhe do peito e emergem ao rosto, deixando-o inclusive sem palavras perante uma crueldade que a câmara sugere mas nunca mostra. Porque o que interessa neste The Searchers é descobrir nos rostos dos actores o que a câmara se recusa mostrar. Para o efeito contribui bastante a interação com o sobrinho adoptado Martin Pawley (Jeffrey Hunter), um mestiço criado pela família Edwards que cumpre ao lado de Ethan a saga do resgate. Sucede que Martin é um jovem onde uma certa ingenuidade ainda não aniquilou a esperança, ao passo que Ethan parece ter sucumbido aos pés da maldade que carrega na memória e vai observando diariamente. O que Ethan reencontra, quando finalmente levanta no ar a sobrinha mais nova, única sobrevivente do ataque índio, é o sentido da palavra esperança. Porque se foi perseverante o suficiente para não desistir da encontrar ao longo dos anos, parecia já se ter conformado com a probabilidade de não vir a encontrar o que perdera mas algo completamente diferente. Algo transformado pelo tempo e pelas circunstâncias. O primeiro e o último planos do filme ligam-se por isto mesmo. Ford coloca a objectiva no interior de uma casa, abre a porta e mostra-nos o exterior. No primeiro plano, a cunhada de Ethan aparece de costas para nós. No último, Ethan aparece de frente. Aproxima-se da entrada, mas não chega a entrar. Volta-nos as costas e segue. Este movimento onde o interior de um espaço de recolhimento é invadido pelo exterior, induz aquela condição que leva o tempo a sarar feridas onde perdurarão cicatrizes indisfarçáveis. Tudo isto faz deste um filme muito especial, um filme que procura compreender a origem de uma cicatriz a partir do rosto de um homem ao mesmo tempo confiante e desesperado. Esse homem é Ethan Edwars, provavelmente o melhor John Wayne.

2 comentários:

ZMB disse...

Há dois westerns dos quais gosto muito e que talvez possam merecer a sua crítica se ainda não foi o caso:

"Little big man", de Artur Penn
com Dustin Hoffman 1970

"Pale rider", com Clint Eastwood
o realizador talvez seja ele próprio mas não sei

hmbf disse...

Sobre o último, escrevi aqui:

http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/2012/12/pale-rider-1985.html