quarta-feira, 5 de junho de 2013

BILLY TWO HATS (1974)



Pode parecer contraditório chamar para uma lista de primeira safra mais um western secundário. Cometi anteriormente o crime com um filme onde me referi a Rambo. Ora, Billy Two Hats (1974) foi realizado por Ted Kotcheff (n. 1931) – a quem devemos First Blood (1982), o primeiro da saga que imortalizou Sylvester Stallone.  Neste caso, estamos longe de um exercício onde a acção parece ser o fim último da narrativa. Chato’s Land não é um filme de diálogos nem de deslumbramentos morais. Antes pelo contrário, é um filme onde o ritmo se sobrepõe a todas as outras componentes. Já Billy Two Hats tem uma dimensão exageradamente sentimental que nos distrai, a espaços, dos antagonismos que as personagens instigam.
 
Gregory Peck é Arch Deans, um velho fora da lei em fuga na companhia de um jovem mestiço. Foram cúmplices no assalto a um banco. Perseguidos pelo Sheriff Henry Gifford (Jack Warden), acabam separados depois do mestiço ser capturado. Arch fica com o dinheiro e consegue escapar, mas regressa para salvar Billy Two Hats da forca. Gifford não compreende nem aceita este gesto. Como pode um fora da lei, a salvo dos tribunais e com o lucro de um crime nos bolsos, voltar atrás para salvar um mestiço? O racismo do Sheriff Gifford, sublinhado em múltiplas cenas, não é o mais importante. De resto, estamos num cenário pintado pela degenerescência moral dos intervenientes. Os índios que aparecem já não são índios, são o resquício de uma cultura perdida no vício do álcool. Os búfalos que ocupavam a pradaria, movimentando-a no horizonte como um mar negro, desapareceram. Billy não sabe sequer o que é um búfalo. E os brancos ali instalados já só têm memória do que perderam. Deus mandou-os dominar todos os animais à face da terra e eles obedeceram. São o rosto de um mundo novo onde a pureza, a inocência e até a ingenuidade deixaram de fazer sentido.
 
A paisagem que Kotcheff nos propõe, na linha do primeiro Rambo, é a de um certo peso moral, a consciência de se fazer parte de uma civilização erguida sobre débeis alicerces, perdida num labirinto de contradições que a tornam alvo fácil de críticas e ódios. Era assim em 1974 como o é ainda hoje. Repare-se que o filme se concentra na relação de amizade entre Arch e Billy Two Hats, reservando para este um protagonismo que está longe de ser imaculado. O mestiço é o resultado de um cruzamento entre modos de vida supostamente antagónicos. Na cabeça do Sheriff Henry Gifford é isso que eles são, modos de vida antagónicos e inconciliáveis. Mas o amigo de longa data que lhe dá guarida vive com uma índia e entre os brancos negoceiam-se mulheres, fabricam-se casamentos e relações como quem produz sabonetes. Há muito do antigo Oeste no Novo Mundo das tecnologias baratas.
 
O que me atrai neste filme não é, pois, a sua dimensão exageradamente sentimental (a última cena, com Arch Deans já morto, a ser sepultado nos troncos de uma árvore seca, chega a ser patética), mas sim a capacidade que Ted Kotcheff revela de com uma história simples fazer uma espécie de exame de consciência do chamado mundo civilizado. Assistimos à caminhada de Billy para o futuro, na companhia da jovem que um marido violento deixou para sempre tartamuda, e lembramo-nos do rosto furibundo do Sheriff Gifford, deveras parecido com o de Marinho Pinho num recente Prós & Contras. Aquele rosto é o de um mundo desequilibrado, desesperado nas suas certezas, sem espaço para a diferença nem simpatia pela alteridade. É um mundo sem búfalos que a ganância, a avidez e a usura mataram. É a antecipação do mundo mesquinho em que vivemos, um mundo de explorados agradecidos, de canalhas promovidos e de gente ordinariamente satisfeita com a vulgaridade dos dias.

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