domingo, 19 de maio de 2013

THE WILD BUNCH (1969)



Em 1969, os americanos carregavam sobre os ombros o massacre do Vietname. Os movimentos de protesto contra a guerra cresciam e manifestavam-se na rua, os hippies celebravam a paz, o sexo e o amor no festival de Woodstock. Sam Peckinpah (1925-1984), o renegado de Hollywood, metia toda essa agitação num western. The Wild Bunch é uma representação do mundo caótico que então se vivia, disfarçado pelos elementos de época que um filme do género exige. Começa com um grupo de supostos militares a chegar a uma cidade no sul do Texas, enquanto a Liga Anti-Alcoólica se manifesta num dos seus comícios e as crianças se entretêm entregando escorpiões à voracidade de um formigueiro. Estes planos iniciais são reveladores de um enquadramento histórico que extravasa as fronteiras do tempo. Não é difícil supor os efeitos que terão exercido sobre quem os viu pela primeira vez na américa de 1969.
Em breve ficaremos a saber que os supostos militares são, afinal, uma quadrilha que se prepara para assaltar a Administração dos Caminhos de Ferro. Quando se apercebem da emboscada que fora organizada para os capturar, dão azo a um massacre que apanhará tudo e todos no fogo cruzado entre as duas partes. No lado da quadrilha, encontraremos William Holden, Ernest Borgnine (vimo-lo em Johnny Guitar), Edmond O’Brien (o inesquecível jornalista de The Man Who Shot Liberty Valance), Warren Oates (mais tarde aparecerá no magnífico Badlands, de Terrence Malick), Ben Johnson (já falámos dele a propósito de filmes como Rio Grande, Shane e Hang ‘em High) e o actor porto-riquenho Jaime Sánchez. Do outro lado, entre os homens dos Caminhos de Ferro e um bando heterogéneo de caçadores de prémios, pontifica Robert Ryan (entra no filme Day of the Outlaw, de André De Toth). A chacina a que assistimos na primeira sequência do filme marca o início de um cinema sem pudor na representação da violência.
Chamaram a Peckinpah o “poeta da violência” por causa dos planos em câmara lenta, com gente a ser baleada, cavalos espezinhando pessoas, indivíduos projectados contra os vidros das montras, carruagens descontroladas abalroando tudo e todos, animais e homens tropeçando uns nos outros. Tarantino há-de ter visto estes filmes de frente para trás e de trás para a frente. Mas a violência da primeira sequência, que atingirá depois níveis soberbos em cenas inesquecíveis como a de uma ponte a ser implodida com o exército montado a cavalo no centro e os cavalos caindo ao rio no meio de destroços, não é uma violência gratuita, cujo principal objectivo seria entreter instintos sanguinários. Antes pelo contrário, os massacres na obra de Sam Peckinpah são testemunhos de uma crueldade que a realidade se encarrega de suavizar. Está neles implícita uma perspectiva do mundo onde o bem e a moral acabam geralmente estilhaçados.
Por outro lado, trata-se de uma violência que serve de paisagem dramática para enfatizar outras dimensões da natureza humana. Houve quem se tivesse referido a The Wild Bunch como um épico dos fracassados, expressão que de algum modo sintetiza toda a obra de Peckinpah. Repare-se como neste filme a tensão exercida entre a personagem de William Holden (Pike Bishop, líder saturado e envelhecido de uma quadrilha ultrapassada pelo tempo) e a de Robert Ryan (Deke Thornton, ex-companheiro de Pike dividido entre capturar o antigo camarada ou regressar à prisão de Yuma) colocam em evidência temas como a amizade, os elos de confiança, a lealdade, o sentido da fidelidade entre os homens, as vantagens da união perante a ameaça da desintegração de um grupo, num velho Oeste em acelerada mudança, um velho Oeste às portas do século XX com generais corruptos passeando-se em veículos de quatro rodas movidos a gasolina e metralhadoras fazendo a vez de brinquedos nas mãos dos adultos.
Empurrados para o Norte do México, estes antigos libertários geram em nós a simpatia que normalmente nos inspiram os objectos caducos, arcaicos, obsoletos. Tentam resolver num último golpe as suas necessidades, o cansaço impele-os para uma retirada que eles não sabem onde os levará. Eles são o último reduto de um mundo onde uma certa ingenuidade semeia valores incorruptíveis, valores como a lealdade. Por isso caminham no sentido contrário da salvação quando já tudo fazia prever o sucesso, a retirada, e em silêncio optam por um último combate, um combate derradeiro, que tem na sua origem  um valor que resume, afinal, a identidade de cada um dos homens enquanto partes integrantes de um grupo. As anilhas já não são de ferro, já não são os frustrantes despojos de um malogrado assalto. As anilhas, agora, são o sentido de tudo para quem nunca reconheceu na vida outro sentido que não fosse esse que o conceito de amizade compreende.

1 comentário:

manuel a. domingos disse...

os críticos disseram, em relação ao filme, que as cenas filmadas em câmara lenta não expressavam a "realidade" (foi mais ao menos isso). ele, o realizador, respondeu: se quisesse fazer algo que expressasse a "realidade", tinha optado pelo documentário (foi também mais ao menos isto)