quarta-feira, 27 de março de 2013

«oh meu algarve cimentado em prol da luxúria verdejante dos resorts»


oh meu algarve cimentado em prol
da luxúria verdejante dos resorts
deu-te deus um mar azul e tépido
onde lavas a cara à sombra das concessões
nos três meses que te salvam da fome

oh meu algarve ardente consumista
constrói aquários para os peixes doutra vida
e asseados museus de falido artesanato
lagoas do mais barato álcool
para os filhos delinquentes dos bifes
que entreténs na eternidade das tuas areias

oh meu algarve diamante bruto
reino da imóvel especulação
não és mais que golfe e hotéis inacessíveis
levantando o grosso cheque do futuro
entre as nalgas dos que mimam
projectos de ordenamento litoral

oh meu algarve desta gente tão contente
estás na crista da onda higienista
tens o oiro do caviar esfacelando-te as ventas
e um caranguejo do lodo  murraceiro
protegido nos alguidares da reserva natural

oh meu algarve limpo e desenvolvido
estância balnear dos pródigos sobrinhos
que agitam as velas do progresso
aqui na praia dos meus avós
e me chamam de clandestino

oh meu algarve impressionista e trágico
estão a enterrar-nos contigo
em todas as cidades de ti já extintas
és destino do pedante útil ao servilismo

oh meu algarve branco esquizofrénico
infecto burguês viciado decrépito
estás para além do resto do reino
tens o sol ardente dos caprichos
o vasto mar escondendo-te o lixo

oh meu algarve
adeus


João Bentes, in Odes, 4 Águas Editora, Dezembro de 2012, pp. 12-14.