quinta-feira, 7 de março de 2013

MOCA

Camarada Van Zeller, nasci numa terra que ficará eternamente associada às mocas. Lá em casa evitávamos o assunto, por terem alguns costados amigos ficado maltratados com a medicina do objecto. A verdade é que os fascistas usavam-nas para afugentar comedores de criancinhas e estes delas se serviam para arrumar de vez com os acólitos de Salazar. Ficou o trabalho por fazer, num caso e no outro, porque entre o ir e vir da moca folgaram, não os lombos, mas a vontade. De passeio entre o povo, uns entoando cantigas revolucionárias, outros colados ao slogan ensaiado, muitos, demasiados, mudos & calados como as pedras, ocorreu-me esta ideia maravilhosa: precisamos de mais mocas. Vai daí, subi ao Bairro Alto. E só hoje de lá desci, tão alucinado que andei nos últimos dias com as mais extraordinárias visões. Vi o salário de Ricardo Salgado cair 31% em 2012. Agora apenas aufere 552 mil euros por ano, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Deve fartar-se de trabalhar, o desgraçado. E vi o economista Salgueiro defender um plano de emergência para desempregados, que passe, a título de exemplo, pela limpeza das matas e das ruas. Cenário mais eloquente não me ocorre para os desempregados portugueses. Poderão também sentar-se à porta de um banco a engraxar sapatos. Quem sabe não venham a cruzar-se com as solas rotas de Salgado & Salgueiro, podendo então cuspi-las e dar bom uso à graxa com que meio mundo se desenrasca neste plutocrático regime. Mas não vi apenas Salgado empobrecer e Salgueiro propor, vi também um grupo de reformados indignados manifestando, civilizadamente, a sua indignação. São um grupo de ex-banqueiros, com reformas entre os 1350€ e os 7500€, sendo que um deles, o cabecilha, aufere uma pensão mensal de 14 mil euros. Vi-os indignarem-se contra o saque fiscal que lhes leva as reformas vergonhosamente baixas, colocando-os numa situação de sacrifício que não estará longe da mais insustentável pobreza. Salgado, Salgueiro e Pinhal eu vi, não querendo acreditar no que meus olhos viam depois de ter descido a Avenida da Liberdade preso a uma tremenda consternação. Já não sei, camarada, se é da moca ou ingenuidade. Será estupidez? Depois de tudo isto eu ver, vi ainda o Primeiro-ministro, com um fuinha sentado a seu lado, dizer que tudo está a fazer para que eu seja feliz, enquanto o seu Ministro das Finanças se dirige ao melhor povo do mundo com a mais estafada das imagens: “somos um povo de marinheiros capaz de superar as maiores tormentas”. Chegado aqui, interrogo-me: mas quem cala definitivamente esta gente? No meio do caos, no mais fundo da fossa, rodeado de excrementos, atolado em porcaria, concluo que o pior desta crise tem sido trazer à superfície esta gente, a sua forma de pensar, os seus anseios, as suas convicções. Saber que esta gente existe e manda não é apenas deprimente, é um descalabro emocional que me deixa sem qualquer esperança no futuro. Já nem nas mocas acredito, muitas seriam necessárias para acabar o serviço que, pelos vistos, nem a meio ficou. Esta gente existe, foi esta gente que nos trouxe onde estamos, é esta gente que se contorce em propostas para nos retirar de onde nos colocou, como quis, quando quis, porque quis. Esta gente é um facto, pensa, fala, age. E o povo que ora sai à rua patrocinou durante décadas a existência desta gente com a sua indiferença, com o seu desapego, com a sua letargia. Quer apostar comigo, camarada Van Zeller, que este será o mesmo povo que, depois de suportar Salazar durante 50 anos e Cavaco durante 20, irá masoquistamente voltar a legitimar no poder esta companhia de ignóbeis actores?

2 comentários:

Pedro Serpa disse...

oh se vai, mais d, menos d...

Anónimo disse...

plagiando o Pedro Serpa, oh se vai, mas há duvidas?...