sábado, 5 de janeiro de 2013

TRUE GRIT (2010)




Em 2010, os irmãos Joel & Ethan Coen fizeram um remake do western que valeu a John Wayne o Oscar por melhor interpretação masculina em papel principal. Agora exibido nas terras de Zé do Telhado com o título Indomável, o True Grit dos irmãos Coen partilha apenas com o filme de Henry Hathaway a mesma base narrativa, ou seja, o romance de Charles Portis. Quanto ao resto, são filmes substancialmente diferentes. Uma diferença perceptível logo à partida tem que ver com a atmosfera que serve de cenário à acção. A Primavera de Hathaway dá lugar ao Inverno dos irmãos Coen, à neve, ao frio, aos vapores e à respiração ofegante dos animais. Os Coen dispensam grande parte dos elementos emotivos que tornam a primeira versão algo sentimentalista, concentrando-se na personalidade determinada e firme da jovem Mattie Ross (Hailee Steinfeld). 
Deste modo, o filme parece desenvolver-se muito mais a partir dessa personagem que é a da jovem com um objectivo definido: vingar a morte do seu pai. A sua relação com o implacável Marshal Rooster Cogburn (Jeff Bridges) mantém-se, mas este deixa de ser uma figura paternalista para passar a ser, juntamente com o ranger LaBoeuf (Matt Damon), objecto de sedução no interior de uma personalidade adolescente desbravando caminho na direcção da maturidade. Mattie encontra-se, assim, entre dois pesos e duas medidas de avaliação da realidade. A sua determinação apenas vacila quando confrontada com a necessidade de optar. De um lado, o pragmático e informal Rooster Cogburn. A sua coragem é inegável, tanto quanto a determinação de Mattie em capturar o assassino de seu pai. Do outro lado, o formal e orgulhoso LaBoeuf, talvez mais metódico e previdente. 
Não se opondo um ao outro, Cogburn e LaBoeuf actuam de modo diverso. Se na versão de 1969 aparecem sempre juntos, intervindo em equipa, agora são separados, seguem trilhos diferentes, não divergentes, reencontram-se, separam-se novamente, distanciam-se, reaproximam-se. Este duelo sem balas mantido entre ambos, esta espécie de jogo que tem na sua origem personalidades distintas, oferece a Mattie o que há de essencial na construção de uma personalidade: o choque de valores. Cogburn e La Boeuf acabam por se constituir como o pai ideal para Mattie depois de o pai real haver sido assassinado. Não é acidental o discurso derradeiro de um dos condenados na cena de enforcamento, dirigindo-se aos filhos e à importância das boas companhias. É uma subtileza humorística que se compreende no desenrolar da história. 
Mas esta história aceita também uma outra perspectiva. Se é verdade que a interacção entre Cogburn e LaBoeuf amadurece Mattie, também não deixa de ser verdade que é a resolução desta jovem que transporta aqueles homens para uma outra dimensão, talvez heróica, onde as hesitações humanas que quase os levam a desistir do objectivo inicial acabam por ser superadas pela necessidade de intervir. Lembremo-nos de que LaBoeuf morre no filme de Hathaway. Os Coen mantêm-no vivo porque isso se torna indiferente. Não há aqui nenhuma necessidade de exaltar o papel de Cogburn. Há, antes, uma vontade clara de nos fazer perceber que é Mattie quem está no centro das atenções. E esta recolocação da narrativa sobre os ombros de uma personagem obriga-nos a uma pergunta essencial, afinal onde reside essa valentia, essa firmeza, essa coragem que dá título ao filme na expressão de true grit? 
Joana d’Arc do velho Oeste, sem a componente mística e muito mais realista do que a própria realidade, esta Mattie Ross não pode ser apenas ficção. É uma energia que advém do desejo, personalização daquilo a que Nietzsche em tempos chamou vontade de poder e alguns interpretaram, maldosamente, como “vã glória de mandar”. Ela é uma força porventura incomensurável e indeterminável cientificamente, que não se resume apenas à coragem desmedida de Cogburn nem à bravura deontológica de LaBoeuf. É uma força íntima, inerente ao ser, que desabrochará subjectivamente em cada um de nós sempre que formos confrontados com o que não pode deixar de ser feito, sob pena de, não sendo feito, roubar-nos a nossa própria identidade.

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