domingo, 13 de janeiro de 2013

I SHOT JESSE JAMES (1949)


Num livro intitulado Made in America, o escritor Bill Bryson refere que, «por volta de 1920, os westerns representavam quase um terço das produções de Hollywood. Mas o seu verdadeiro auge deu-se nos anos cinquenta, na televisão. Em 1959, o ano-zénite das séries de cowboys, o telespectador americano podia escolher entre vinte e oito séries que passavam na televisão – a uma média de quatro por noite». Facilmente se entende este sucesso no contexto norte-americano, ávido de heróis nacionais e semideuses tão realistas quão pragmáticos. A mitologização do Oeste representada pelo western respondeu, deste modo, a um desejo das populações. Daí que a figura do cowboy, quase sempre descontextualizada da sua realidade histórica, seja, neste domínio, tão determinante como a do fora-da-lei. O mesmo se passa com o índio, o peregrino, os colonos, o marshal, o sheriff, o mineiro ou as cidades fantasma e os “lugarejos poeirentos”. São personagens e elementos de uma paisagem onde vamos reencontrar os conflitos essenciais da humanidade, nesse estado primitivo que procuramos constantemente como quem busca a raiz do que somos. Não nos admiremos, pois, que a velha Europa tenha adoptado este fascínio pelas recriações da Oregon Fever. Ao olhar assim para o Novo Mundo, o cinéfilo europeu regressa ao berço mitológico da civilização. E sabemos o quão fundamentais foram os mitos na construção da humanidade, chamem-se eles Prometeu, Robin Hood ou Jesse James. A vantagem deste é o de ter sido real, atingindo o Monte Olimpo na mitologia dos foras-da-lei do velho Oeste mais pela morte que teve do que pela vida que levou. A vida foi a de um homem que encontrou nos assaltos a bancos e comboios uma forma de perpetuar a guerrilha dos confederados após a Guerra Civil. Assim ganhou fama e se transformou numa lenda local, ascendendo posteriormente ao panteão dos mitos nacionais (e internacionais) muito por culpa de Robert Ford, o elemento do gangue de James que o assassinou pelas costas. É em Robert Ford que Samuel Fuller (1912-1997) centra as atenções no seu filme de estreia, o western I Shot Jesse James (1949). O filme de Fuller é uma boa ferramenta para separarmos o trigo do joio. Longe de mitologizar, como que desconstrói os próprios mitos. Num só rosto, a coragem mistura-se com a cobardia, a firmeza com o pânico, a fidelidade com a traição. Nada preocupado com a figura mitológica de Jesse James (Reed Hadley), Fuller recria na personagem de Bob Ford (John Ireland) uma espécie de Judas à procura de redenção. Muito antes de Brokeback Mountain, este filme chega mesmo a sugerir uma relação entre dois homens que transcende a mera cumplicidade. Desde a cena inicial com James a tratar de uma ferida de Ford, ao amor que este confessa por James na hora derradeira, percebemos que havia entre os dois uma relação complexa e nada convencional. Ford assassina James para poder levar uma vida normal com Cynthy (Barbara Britton), mas logo descobre o quão impossível essa normalidade se afigura. Não apenas porque Cynthy não o ama tanto quanto o teme, chegando mesmo a repeli-lo ao saber da sua condição de traidor, mas porque o fantasma de James o persegue revestido de um arrependimento que termina na confissão de um amor traído. A certa altura, Bob Ford escuta num saloon uma canção que o menospreza na exacta medida em que glorifica Jesse James. A postura de Ford, já depois de ter revelado a sua identidade ao amedrontado, trémulo e gaguejante bardo, que se vê obrigado a cantar a canção até ao fim, é a de um homem perseguido não só pela sua consciência, não só por um fantasma, mas sobretudo pela percepção do mal que fez a si próprio ao assassinar pelas costas o homem que amava para poder ficar com a mulher que lhe poderia oferecer uma vida normal. Recordemos a cena:


O terror experimentado por este homem é o de quem acaba sozinho, sem passado nem futuro, no pântano do remorso. Ao entregar Jesus nas mãos dos romanos, Judas condenou-se a si próprio. Uma leitura mais solene da denúncia dirá que se sacrificou, mas não estamos certos de que Judas o tenha compreendido antes de se pendurar pelo pescoço. Ao matar Jesse James, Robert Ford condenou-se a si próprio à máxima das penas. Ficou isolado no interior de uma cela horrível, a de não ter ninguém que o amasse como ele, afinal, amava o homem que matou.

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