sábado, 8 de dezembro de 2012

THE SOUTHERNER (1945)


Geralmente reduzido a filme de aventuras com pistoleiros, sheriffs, índios, cowboys, assaltos a comboios e outras vigarices do género, o western é, na realidade, tudo isso e muito mais. Há personagens tipo que se repetem, há estereótipos como em qualquer outro género, há elementos paisagísticos imprescindíveis, mas nem tudo se reduz a cavalos e revólveres, a desejos de vingança e conflitos territoriais. Façamos uma ligeira inflexão panorâmica e tomemos de exemplo The Southerner (A Semente do Ódio, 1945), de Jean Renoir (1894-1979). Inimigo público número 1 para Goebbels, Renoir foi apanhado pela guerra quando rodava em Itália. Refugiou-se nos states, chegando mesmo a adquirir nacionalidade norte-americana. Os seus filmes americanos não são os mais famosos, talvez por assumirem uma postura algo panfletária perfeitamente compreensível à luz da época. A Semente do Ódio surge nesse contexto, estreado precisamente no ano em que a segunda grande guerra termina. Nele não há índios (apenas referências) nem cowboys (no sentido literal do termo), não há sheriffs nem pistoleiros, mas há algo que o aproxima do ambiente vivido em muitos westerns. Neste filme, Renoir centra as atenções sobre uma família pobre lutando pela sua independência. O filme é terrivelmente actual e sugere-se uma exibição televisiva nos canais públicos enquanto os temos. O problema introduzido é o do trabalho, muito à semelhança da forma como hoje o entendemos. A família Tucker trabalha nos campos de algodão para um grande empresário, mas ambiciona autonomizar-se e ser independente. A perspectiva de permanecer pobre toda a vida trabalhando para terceiros ou perder o pouco que se tem arriscando numa vida melhor é o desafio que se coloca a esta família. Estamos, pois, numa zona de risco, delineada pela luta entre fortes e fracos e, num sentido muito neo-realista dos termos, na divisão dos fracos que lutam entre si quando, na realidade, seria de esperar que se unissem contra os fortes. A linearidade do argumento, com as suas personagens patéticas (ingenuamente comoventes), deixa algo a desejar, embora Renoir procure dar a volta ao assunto com algumas sequências onde se intui um forte carácter simbólico. Por exemplo, na sequência passada num bar, que equivaleria em contexto western a um duelo, observamos um busto semelhante ao de Marianne (alegoria da República Francesa) ser destruído pelas garrafas arremessadas por uma “garota de programa” em fúria. E desde muito cedo se coloca a questão da exploração laboral, o contraste entre a vida dos operários na cidade e a vida dos camponeses no campo… Nada disto é muito relevante ao pé do essencial, ou seja, a perseverança de uma família que, contra ventos e marés, tenta contrariar o destino, assumindo nas suas próprias mãos e pela sua obstinada tenacidade as inúmeras contrariedades com que se vai confrontando. A questão que se coloca é, então, que diferença substancial existe entre a família Tucker e as famílias de filmes como Shane ou Pale Rider? Eu diria que nenhuma, porque no essencial o que temos são os fundamentos do mundo tal como ainda hoje o conhecemos: as galinhas no topo da capoeira cagam para cima das que estão em baixo. Foi assim no passado, é assim no presente, nada indica que não venha a ser assim no futuro. O resto é ambiente.

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