segunda-feira, 7 de maio de 2012

DAYS OF HEAVEN




Não são poucas as coincidências entre Badlands e Days of Heaven (1978), a segunda longa-metragem de Terrence Malick. Em ambos os filmes Malick recorre a um narrador presente, e em ambas as histórias o narrador é uma jovem púbere. Tal como Badlands catapultou as carreiras de dois grandes actores, também Days of Heaven foi o primeiro grande filme de Richard Gere e de Sam Shepard (à época mais interessado em escrever do que em representar). A música é um recurso essencial nos dois filmes. No primeiro, pelo génio de Carl Orff; no segundo, pela genialidade de Ennio Morricone. Mas se estas são meras coincidências de interesse relativo, o mesmo não podemos afirmar quanto ao facto de ambos os filmes começarem com uma fuga.

A fuga é uma presença constante em todas as obras de Terrence Malick. Por vezes associada à busca de felicidade, outras vezes ligada aos apelos da liberdade, ou ainda enquanto consubstanciação da vontade própria, a fuga é um elemento central nos filmes do realizador norte-americano. Não estamos certos de que isso se deva a um qualquer fundamento filosófico na raiz da obra, mas é muito provável que exista em Terrence Malick uma ideia da fuga enquanto acção de distanciamento relativa a um contexto opressor, castrador, paralisante, que barra a vontade dos indivíduos obstaculizando-lhes o desejo e, consecutivamente, impedindo-os de se afirmarem enquanto seres únicos e irrepetíveis.

Talvez seja por isto que Sam Shepard prefere falar de visceralidade, afastando o estereótipo de “filme intelectual”, quando se refere aos filmes de Malick (ver aqui). De facto, se é verdade que são filmes impregnados de reflexões filosóficas e de questões sobre o sentido da vida, também não deixa de ser verdade que são filmes onde a vida se mostra pelo seu lado mais cruel, físico e sensual. A metafísica de um filme como Days of Heaven desce à terra em sucessivos planos que provam não haver separação entre a matéria do pensamento e os anseios da carne. Daí que ao lado de uma manada de búfalos na pradaria possamos encontrar uma “manada” de trabalhadores rurais numa vasta plantação de trigo, ou que quando dois amantes passeiam num rio, acariciando-se discreta e anonimamente, sejam ladeados por um grupo de cavalos selvagens à solta…

Estes contrastes, eventualmente metafóricos, entre a vida animal e os dramas da pessoa humana não serão por acaso, sublinham uma relação nem sempre pacífica entre a normalidade a que se sujeita o ser e a anormalidade que o determina em estado bruto e natural. Neste sentido, Days of Heaven acaba por ser muito mais explícito do que Badlands. A primeira fuga de Bill, na companhia da jovem irmã e de Abby (a amante secreta), transfere-nos de um cenário industrial, típico do início do século XX, para uma paisagem rural em pleno decurso de uma invasão trazida pelos produtos da indústria. Esta transferência opera um contraste mas não impõe uma cisão, mistura as duas realidades, confunde os elementos como dentro de um coração humano se confundem bem e mal, amor e ódio, anjos e demónios.

A demanda do paraíso transforma-se, mais uma vez, num inferno do qual não se escapa. É pois interessante notar que a cena dos agricultores combatendo uma praga de gafanhotos, degenerando para um incêndio de proporções infernais, adquire neste filme uma dimensão simbólica inquestionável. A praga que ali se combate é a dos instintos, é a do ciúme que Bill sente quando constata o crescimento do amor de Abby pelo patrão, é a dor do patrão quando percebe ter sido vítima de um logro, de um cambalacho entre Bill e Abby para ficarem com os seus bens, os bens de um fazendeiro rico, materialmente bem-sucedido, mas doente e só. Aquela luta contra os gafanhotos é a luta dos homens contra a sua própria natureza, enquanto debaixo da terra as sementes rebentam e a espiga brota.

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