segunda-feira, 1 de março de 2010

OS AMIGOS CHAMAVAM-LHE CAL


Filho de um ilustre oficial da marinha, Robert Lowell nasceu em Boston no dia 1 de Março de 1917. Os primeiros estudos foram feitos na St. Mark's School, onde foi aluno do poeta Richard Eberhart. Os amigos chamavam-lhe Cal, do imperador Calígula e de Caliban, personagem d’A Tempestade, de Shakespeare. Terminados os estudos em St. Marks, ingressou num curso de Literatura Inglesa em Harvard. Aí conheceu Robert Frost, um dos mais relevantes poetas norte-americanos. Pediu-lhe opinião sobre um poema que havia escrito e obteve óptimas referências. Lowell tornou-se amigo próximo de Frost, acabando este por ajudá-lo em várias ocasiões. Nos últimos anos da década de 1930, os pais de Lowell mostraram-se descontentes com a relação que o filho mantinha com a escritora Jean Stafford. Lowell cortou relações com a família e casou com Jean. À época, alguns problemas de saúde começaram a evidenciar-se no poeta. Sobre aconselhamento psiquiátrico, transferira-se para o Ohio, onde estudou poesia e crítica com John Crowe Ransom. No Kenyon College travou também conhecimento com Peter Taylor e Randall Jarrell, de quem se tornaria grande amigo. A 8 de Setembro de 1943, enviou uma carta ao Presidente Roosevelt recusando-se a servir nas Forças Armadas. A ousadia levou-o às grades durante um ano. O primeiro livro, de cariz autobiográfico, aparecerá em 1944: Land of Unlikeness. Dois anos depois, venceu o Pulitzer com Lord Weary’s Castle. Thoreau e Melville eram influências assumidas. Em 1948, Robert Lowell divorciou-se de Jean Stafford. Os problemas de saúde tinham-se agravado. As primeiras crises psiquiátricas permitiram traçar o diagnóstico: maníaco-depressivo (ou perturbação bipolar, se preferirem). O poeta iniciou uma relação com Elisabeth Hardwick, com quem casou em 1949, mas, passados dois anos, apaixonou-se por Elizabet Bishop. Os dois manterão correspondência até à morte de Lowell. Entre outras, uma mancha no currículo: apoiou Joe McCarthy na perseguição aos comunistas. Viajou, na companhia da mulher, por Florença, Amesterdão, Bruxelas e Paris. A sua poesia era reconhecida e premiada, o poeta foi convidado a leccionar no Salzburg Seminar, onde sofrerá mais uma crise. Tratamentos com electrochoques não resolveram o problema. Regressou a Boston em 1954, ano em que a sua mãe faleceu. A segunda metade dos anos 50 será de trabalho académico, traduções de autores clássicos, entre outros. A 4 de Janeiro de 1957 nasceu-lhe a filha Harriet. As crises psiquiátricas e consecutivos internamentos não desaparecerão. Com Life Studies, em 1959, recebeu o National Book Award. No entanto, a década de 1960 será de empenho civil. Manifestou-se contrário ao envolvimento dos americanos no Vietname e recusou participar no White House Festival of the Arts, subscrevendo um abaixo-assinado contra a guerra e participando na marcha sobre o Pentágono. Em 1970, partiu para Inglaterra. Afastou-se de Elisabeth Hardwick e aproximou-se de Lady Caroline Blackwood, ex-mulher do pintor Lucian Freud, com quem virá a casar e de quem terá um filho, Sheridan. Na Primavera de 1975, sofreu alguns problemas cardíacos. A morte torna-se uma obsessão que se transformará numa realidade a 12 de Setembro de 1978, durante uma viagem de táxi. Diz-se que morreu agarrado a um retrato de Caroline Blackwood pintado por Lucian Freud, quando tentava regressar para junto de Elisabeth Hardwick e da sua filha Harriet:

MARIDO E MULHER

Domesticados pelo
Miltown, estamos deitados na cama da Mãe;
o sol, despontando em pinturas de guerra, tinge-nos de vermelho;
à plena luz do dia, as colunas doiradas da cama brilham,
abandonadas, quase dionisíacas.
As árvores estão finalmente verdes em Marlborough Street,
as flores desabrochando na nossa magnólia inflamam
a manhã com um branco mortífero de cinco dias.
Durante toda a noite segurei a tua mão,
como se tivesses
enfrentado pela quarta vez o reino dos loucos ─
o seu discurso banal, o seu olhar homicida ─
e me tivesses arrastado para casa vivo… Oh, minha
Petite,
a mais lúcida de todas as criaturas de Deus, toda ela ainda ar e vigor:
estavas nos teus vinte anos, e eu,
com um copo na mão
e o coração na boca,
esvaziei os
Rahvs no calor
de Greenwich Village, desmaiando a teus pés
demasiado agitado e tímido,
com uma expressão demasiado impassível para namorar,
enquanto o insistente entusiasmo
da tua invectiva feria o Sul tradicional.

Agora, doze anos depois, voltas as costas.
Sem sono, anichaste-te
à almofada como uma criança,
a tua tirada fora de moda ─
terna, rápida, implacável ─
irrompe como o Oceano Atlântico na minha cabeça.


Robert Lowell, in Aos Mortos da União e Outros Poemas, trad. Mário Avelar, Assírio & Alvim, Abril de 1993, pp. 37-39. Nota do editor: «Miltown» é um tranquilizante. «Rahvs» é uma referência ao crítico Philip Rahv, editor da Partisan Review, e à sua mulher. Na imagem: Robert Lowell , Elisabeth Hardwick e Harriet Lowell.

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