sábado, 19 de dezembro de 2009

POETA FAZENDEIRO



Manoel de Barros nasceu em Cuiabá a 19 de Dezembro de 1916. Filho de um capataz influente, tinha apenas um ano quando o pai fundou uma fazenda no Pantanal. Cresceu a brincar na terra, entre gado e plantações, no contacto com as coisas desimportantes que lhe marcaram a poesia. Estudou no colégio interno de Campo Grande e, posteriormente, no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro. Dez anos de internato suportados no convívio com a obra do Padre António Vieira. Ao abandonar o colégio, encontrou-se com as palavras de Rimbaud, leu Marx, conheceu alguns engajados, aderiu à Juventude Comunista. O primeiro livro, escrito aos 19 anos, ficou por publicar. Conta-se que procurado pela polícia, depois de ter grafitado um Viva o comunismo numa estátua da cidade, foi livrado da prisão por ter a dona da pensão onde então morava advertido os polícias de que o jovem rebelde era bom rapaz e até tinha escrito um livro: Nossa Senhora de Minha Escuridão. O polícia apreendeu os poemas e deixou o poeta em liberdade. Afasta-se do partido depois de ouvir Luiz Carlos Prestes apoiar o ditador Getúlio Vargas à saída de 10 anos de cativeiro. Termina o curso de Direito em 1949. Regressou ao Pantanal, andou pela Bolívia, Peru, Nova York, onde estudou cinema e pintura. Volta para o Brasil com a insígnia de advogado, conhece Stella e, passados três meses, estão casados. Do casório resultaram três filhos. O primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado, tinha sido publicado em 1937. Da primeira edição fizeram-se apenas 20 exemplares artesanais. Avesso a caciques e modas poéticas, permaneceu praticamente anónimo durante vários anos. Em 1960 recebeu o Prémio Orlando Dantas, atribuído pela Academia Brasileira de Letras ao livro Compêndio para uso dos pássaros. Posteriormente, foram-lhe atribuídos muitos outros prémios e a sua poesia é hoje reconhecida como uma das mais originais da literatura contemporânea brasileira. Em minha modesta opinião: Manoel de Barros é um dos poetas mais singulares da língua portuguesa. Em Junho de 2007, as Quasi Edições reuniram-lhe os poemas no volume Compêndio para Uso dos Pássaros – Poesia Reunida 1937-2004:

A DISFUNÇÃO

Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de
a menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso
trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa
disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.
1 ─ Aceitação da inércia para dar movimento às
palavras.
2 ─ Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3 ─ Percepção de contigüidades anômalas entre
verbos e substantivos.
4 ─ Gostar de fazer casamentos incestuosos entre
palavras.
5 ─ Amor por seres desimportantes tanto como pelas
coisas desimportantes.
6 ─ Mania de dar formato de canto às asperezas de
uma pedra.
7 ─ Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais
importância aos passarinhos do que aos senadores.

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