quarta-feira, 14 de outubro de 2009

À TERCEIRA FOI DE VÊS


Um esteta, «um poeta sentimental que se oculta através de um dispositivo técnico de sabotagem dessa mesma sentimentalidade» (Jorge Fazenda Lourenço), poeta, pintor, vanguardista, «um inspirado conservador» (Jorge Luis Borges), Edward Estlin Cummings, isto é, e. e. cummings, viu o mundo nascer na cidade de Cambridge a 14 de Outubro de 1894 . O paizinho era professor em Harvard, tendo chegado a ministro da União, o filhinho estudou na Universidade do pai, especializando-se em literaturas gregas. Com John Dos Passos, publica em 1917 a antologia Eight Harvard Poets. Começa a Primeira Grande Guerra e o poeta alista-se na Cruz Vermelha, para andar a conduzir uma ambulância nas ruelas francesas. A experiência sai-lhe grega: acusado de traição, acorda entre grades durante três meses. A passagem pelo campo de concentração de La Ferté-Macé inspira-lhe o livro inicial: The Enormous Room (1922). Ainda antes, casa com Elaine Orr no ano de 1918. O casamento redundará em divórcio nove meses depois, tempo suficiente para gerar uma Nancy que apenas virá a saber da existência do pai em 1948, ou seja, trinta anos depois. Vive entre França e os EUA, dedica-se à pintura, contacta com as vanguardas europeias, conhece Ezra Pound e Hart Crane, publica o primeiro livro de poemas em 1923. Tulips and Chimneys, XLI Poems e & [and] (ambos de 1925), propõem uma “poesia tipográfica” e satírica que se tornará a principal marca do peta:

platão disse-

-lhe:ele não podia
acreditar(Jesus

disse-lhe;ele
não queria acreditar
nisso)lao

tsé
certamente disse-
-lhe,e o general
(sim

senhora)
sherman;
e até
(acredite
ou
não)você
lhe disse:eu disse-
-lhe;nós dissemos-lhe
(ele não acreditou,não

senhor)foi preciso
um pedaço niponizado do
antigo viaduto da

6.ª
avenida;no cimo da cabeça:para dizer-

-lhe

Sobre estas «travessuras tipográficas», Borges lamenta serem a primeira coisa e muitas vezes a única que chama a atenção na esplêndida obra de Cummings. Em 1927, a viver à custa da poesia, da pintura, de leituras e conferências, da ajuda familiar, casa com Anne Minnerly Barton. Escreve peças de teatro que são levadas à cena nos palcos de Nova Iorque, colabora com a Vanity Fair e o The Dial. A primeira exposição acontece em Paris, no ano de 1931, mas não atrairá tanta atenção quanto os seus escritos. Na sequência de uma viagem à URSS, desilude-se com o “esquerdismo”. E em 1932 conhece aquela que será a sua definitiva companheira. Marion Morehouse, fotógrafa e modelo, teve um caso com A.J. Ayer, um dos maiores amigos de Cummings. Era doze anos mais nova que o poeta, o qual conseguiu distrair as atenções de Ayer depois de o levar a conhecer a stripper Gypsy Rose Lee. Recusado pelas editoras, socorre-se da mãezinha para publicar 70 Poems, o qual acabará por ser dado à estampa numa editora própria, a Golden Eagle Press, com o título No Thanks (1935). O resto é o que se sabe: publicações, palestras em Harvard, uma menção honrosa no National Book Award Committee for Poems, o Bollinger Prize, um ataque cardíaco, a hemorragia cerebral, a morte a 3 de Setembro de 1962, um poema.

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