segunda-feira, 10 de agosto de 2009

SÓ VOTO SE ME PAGAREM

Após o 25/4/1974 e passados os tempos do PREC, este país foi governado por dois partidos: PS e PPD-PSD. Mário Soares foi Primeiro-Ministro durante dois anos. As rapidinhas sucessivas de Alfredo Nobre da Costa, Carlos Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintasilgo terão a sua relativa importância. Seguiram-se Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e, novamente, Mário Soares. Os GNR vêem Portugal entrar na CEE e a consciência política de um jovem nascido em 1974 adquire finalmente alguma consistência, remetendo para segundo plano o impacto cinematográfico da morte de Sá Carneiro. À experiência deste facto histórico, cola-se o rosto entupido de Aníbal Cavaco Silva. O queixo-calçadeira começa a governar os destinos da nação em 1985, encalhando 10 anos depois numa sucessão de escândalos que ofereceram muitas primeiras páginas ao Independente. Há quem diga que foram tempos de auto-estradas e pouco mais. Talvez o balanço ainda esteja por fazer, talvez nunca venha a ser feito. A impressão que fica é a de tempos desperdiçados, o dinheiro que vinha de fora a servir os jipes da média burguesia e a patrocinar muitas casas com piscina.


Manuela Ferreira Leite, que agora quer ser o que Cavaco foi, fez parte da trupe que deu forma ao cavaquistão. Tal como Cavaco, sabe rodear-se da gente certa. A presença de António Preto nas listas do PSD diz tudo. E a formiga atómica acrescenta: nós vamos ter um deputado que no exacto dia em que tinha de se apresentar na Polícia Judiciária para um teste de caligrafia foi ter com um cunhado que é médico no Hospital de Santa Marta, no serviço de cirurgia vascular (!), para engessar um braço por completo, do ombro até ao pulso. (…) O que diriam Rui Rio ou Pacheco Pereira se tivessem sido Luís Filipe Menezes ou Santana Lopes a colocar António Preto nas listas quando está acusado de fraude fiscal e falsificação e vai a julgamento este ano? Não sabemos o que diriam, sabemos que não dizem nada, ou então dirão o óbvio: ninguém é culpado, mesmo de um braço estrategicamente engessado, até ser julgado. Pacheco Pereira vai sentar-se ao lado deste indivíduo como se nada fosse, serão convenientemente camaradas. Leram Maquiavel da primeira à última página, leram-no tanto e tão bem que já não sabemos se o que pensam e como pensam é fruto de alguma réstia de dignidade ou do mais hipócrita pretensiosismo. Não fossem sapos de papo cheio, dariam belos príncipes.

«Todos vêem o que parecemos, poucos sentem o que somos» (Maquiavel). E o que vê um jovem nascido em 1974, acordado para a política após as alegres passadas de Soares nos Jerónimos? Vê que não sabe o que sentir acerca desta gente que há tanto nos Governa. Raiva? Asco? Indiferença? É que a história não acaba aqui. Em 1995 chega ao governo António Guterres. São os anos do diálogo por cima da arrogância cavaquista, são os anos da patinagem artística, do coração e da emoção, da pouca razão, são os anos do entretém com Jorge Coelho (que é feito?) e José Sócrates a meterem alguma faísca na melopeia franciscana de Guterres. O país confessa-se ao padre Melícias, Guterres fica a gaguejar contas. Em 2002, já com um segundo Governo às costas, farta-se do forrobodó e aproveita uma derrota nas autárquicas para desopilar daqui para fora. Não tenho saudades. Durão Barroso aproveita a deixa e mete o pé no bailarico. Passados dois anos, volta a aproveitar a deixa de uma Comissão Europeia de mão estendida aos invasores americanos e desopila daqui para fora. Não tenho saudades. Pedro Santana Lopes, ex-violinista de Chopin, ex-presidente do Sporting, ex-leitor de Alface, ex-concorrente de show televisivo, ex-marido de Cinha Jardim, ex-autarca, etc. e tal, é chamado a governar de braço dado com o Paulinho das feiras. Portas mostra espanto ao ficar com os Assuntos do Mar – que coisa tão vaga! – e a deriva pouco dura. O capitão Sampaio abre os olhos e atira borda fora estes embarcadiços aprendizes de marinheiros. Aparece Sócrates como um tiro de esperança. Vai ser posta ordem na casa. Pirata com ares de reformador, anuncia muito e, mérito lhe seja reconhecido, mete o país a mexer: os professores saem finalmente à rua (acredito que seja preciso muito para lhes levantar o cu conformado), a malta das farmácias começa a coçar as barbas, a malta das pistolas lamenta o fim de algumas mordomias tomadas por conquistas, as finanças continuam a ir ao bolso dos cidadãos e é ponto assente que vão com mais eficácia (o aumento do IVA foi o primeiro tiro no pé da pirataria em marcha), a justiça queixa-se, entre outras coisas, da revisão do Código de Processo Penal (já ninguém vai preso, lamentam, o que talvez se justifique dada a escassez de prisões), o Ministro da Economia acaba a investir contra o capote vermelho dos deputados comunas, a saúde fica doente como nunca sob pretexto de vir a ficar mais saudável que alguma vez (não vejo nada)…

A verdade é esta: Sócrates pôs o país a mexer. Santola sem conteúdo? Veremos. O que é certo é que mexungou como há muito não se via. Que a alternativa a isto possa ser um rosto do antigo cavaquistão causa-me alguma espécie. Sabemos que «as minorias só se tornam poderosas quando as maiorias não têm onde apoiar-se» (Maquiavel). Votar numa minoria fica sempre bem. Mas o CDS já foi encosto e só serviu para se servir a si próprio, a CDU simpatiza com a Coreia do Norte e o Bloco… o Bloco, numa ânsia de crescimento, começa a apoiar peralvilhos pelo país adentro com o mesmo sentido de oportunidade e com o mesmo critério, que é critério nenhum, dos oportunistas do poder. Podemos votar em branco, podemos nem sequer ir votar, podemos manter-nos fiéis ao POUS porque gostamos do som que a sigla faz quando rebenta. Concluo, então, «que é melhor ser impetuoso do que circunspecto, porque a fortuna é mulher, e é necessário, se se quer dominá-la, bater-lhe e feri-la» (Maquiavel). Perante a má fortuna que é ter nascido português, resta-nos naturalizarmo-nos utopos e cagar para as urnas com a mesma convicção com que temos cagado a vida inteira.

2 comentários:

manuel a. domingos disse...

é isso mesmo.
abraço

jpt disse...

já que falou do capitão Sampaio não esquecer que o ilustre Sportinguista deslocando-se à Guarda em Visita Presidencial não de lá saíu sem ir dar o másculo e republicano abraço ao celerado Abílio Curto - assim como se um Soares X Craxi em versão paroquial

Quanto ao gesso ... não posso concordar com a opinião aqui citada. Acho que seria uma boa opção, a de engessá-los