terça-feira, 6 de maio de 2008

A “PRIMEIRA ANTOLOGIA DE MICRO-FICÇÃO PORTUGUESA”

foi o pretexto desta conversa Rui Costa – Luís Ene


Qual o teu interesse pelo que se pode designar como micronarrativa ou micro-ficção? Já agora, que expressão preferes?

O meu interesse pela micro-ficção tem a ver com a sua extrema aptidão para a promiscuidade. A micro-ficção é um tique nervoso, uma descarga eléctrica feliz, como quando vais pela auto-estrada a 140, durante três horas, e te cai um broche do céu. Prefiro a expressão micro-ficção, porque me parece mais abrangente, e porque soa melhor (Cristina, não vais levar a mal).

Concordas com a afirmação de que a micronarrativa instala a confusão, como sugere HMBF no prefácio, entre a poesia e a prosa?

Sim. Não há confusão nenhuma, tudo é confusão. Os nossos antepassados é que se sentiam confusos e desataram a fazer classificações: isto é poesia, aquilo é prosa, isto é pimba, aquilo já é a botar pró clássico, e por aí fora. Eu gosto de abstracto, mas também gosto de concreto. Gosto de leite com groselha, mas também gosto de absinto. Isto faz-te confusão? A mim não me faz confusão nenhuma.

É como aquela pessoa que entra no autocarro e se agarra ao primeiro varão. O autocarro enche, as pessoas que vão entrando querem passar, mas aquela pessoa está aparafusada ao chão. Passa a primavera, o verão, chega o inverno. A pessoa tem o primeiro neto, compra uma casa de férias. Eventualmente morre sem deslargar o varão. O varão salvou aquela pessoa da confusão, não foi? Mas agora não há nenhum varão que nos salve.

Qual foi e como decorreu o processo de selecção e organização dos textos? Quais os critérios que te orientaram?

Convidei, como explico numa nota do livro, os autores a enviarem-me textos com o máximo de 200 palavras. Houve uma excepção, o Alcides. É um indivíduo estranho, ameaçou convidar-me para provar empadinhas de tofu.

Os critérios: qualidade e variedade. Quanto à variedade, deixo esta precisão: há um dois autores com quem não tenho especial afinidade de escritas/gosto, mas achei que deviam integrar a antologia, por focarem um conjunto de temas e/ou processos que ainda não estava representado.

Uma boa parte dos autores antologiados vai publicar mais coisas no futuro, e com todo o mérito.

A ideia de indicação dos blogues dos autores foi tua? O que está por detrás dela?

Foi. Descobri (por mim e por indicação tua e do Henrique Fialho) quase todos os autores nos blogues, nada mais natural do que indicar a fonte. E é uma forma de dizer “aos blogues”: estavas aí, discreto e caladinho a escrever posts onde não passa a TVI, mas valeu a pena porque houve alguém que leu e gostou.

Achas que a micronarrativa é um novo género?

Acho que a micro-ficção é mais do que um género, é um peixinho amarelo de barbatanas peitorais.

Que pensas do resultado final da antologia?

Ficámos todos contentes com o resultado final: um livro que ao mesmo tempo é um objecto bonito e tem um conteúdo variado e de qualidade. O meu maior gozo foi o de poder dar a conhecer autores que ainda não tinham tido oportunidade de publicar (e outros que andavam noutras lides).

Fico surpreso com o facto de esta ter sido a primeira antologia de micro-ficção portuguesa, sabendo nós como ela vem sendo praticada há alguns anos em Portugal e noutros países. Dizem que há muitas editoras? Se há, devem andar a dormir. A editora exodus apostou na minha ideia e diz que não se arrependeu: em pouco mais de um mês uma cadeia de livrarias reforçou os seus stocks duas vezes.

E o teu romance? Tem tido boa aceitação do público e da crítica?

O público (bem, nem todo) gosta de surpresas (um leitor falou-me do que chamou uma “nova experiência de leitura”); um excelente crítico vai falar alguns minutos sobre “A Resistência dos Materiais” no Programa da RTPN “Ler+, ler melhor” (ainda não sei a data mas, tendo em conta a pessoa, tou curioso).

Ei, reparo que parou de chover. Vou até ali ao bosque.
Até breve, amigo!

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