quarta-feira, 25 de julho de 2007

A BELEZA DA VIDA

Em 2003, publicou a Antígona uma colecção de palestras proferidas por William Morris (n. 1834 – m. 1896) sob o título geral de As Artes Menores e outros ensaios. Originalmente apresentadas entre 1877 e 1894, essas conferências resumiam os preceitos estéticos do autor de News from Nowhere, mas também o que neles havia de intervenção sociopolítica. Tendo sido um dos principais divulgadores do socialismo em terras de sua majestade, William Morris alicerçou todo o seu interesse político na defesa da propagação das artes. Em The Beauty of Life, conferência no Town Hall, Birgmingham, em 1880, publicada, inicialmente, em 1882 num volume intitulado Hopes and Fears of Art, é a causa de uma «democracia da arte» (p. 67) que surge como propósito fundamental. A &etc. dá-lhe agora destaque, em tradução de Clara Garcia da Fonseca, num belo volume a fazer justiça ao gosto colocado por Morris ao serviço da edição. Em dezasseis páginas a azul, é-nos apresentado o autor como um «excelente contador de histórias» com «uma voz própria, original e poderosa». Os seus intentos, de uma forma genérica, foram os de «aplicar a arte aos objectos comuns do quotidiano». A Beleza da Vida, segundo Morris ameaçada por uma segunda barbárie, denota preocupações que, se à época eram pertinentes, tornam-se hoje tão urgentes quão parecem confirmar-se na actualidade todos os anseios e premonições que o autor manifestava há mais de um século. A saber: «um enorme desinteresse e total ignorância sobre a arte» (p. 21). Designando o século XIX como o Século do Comércio, esperando que o próximo pudesse ser o da Educação, defendia o autor que «não é possível educar os homens, ou civilizá-los, a menos que possam participar na arte» (p. 40). Sendo assim, por crer ser a arte libertadora e, enquanto tal, condição essencial de felicidade, propõe-se uma «democracia da arte» que começaria, desde logo, por uma educação pela arte. Importa relevar que a arte não é entendida, neste sentido, como um dom apenas ao alcance de alguns. A distinção operada, logo de início, entre «a chamada arte superior» e a «arte feita pelas pessoas e para as pessoas», «digamos popular», confere ao conceito uma abrangência que poderá parecer estranha nos dias de hoje, em que a arte é cada vez mais um produto de consumo ao serviço de elites muito restritas. Na verdade, a situação de hoje é a mesma que se antevê no texto que ora nos ocupa. O erro civilizacional de circunscrever a arte a circuitos delimitados por tapumes académicos, ao serviço apenas de alguns supostos iluminados, resultou no actual estado degradante de uma sociedade alheia à beleza, negligente consigo própria, subsumida no supérfluo e na escravatura do consumo. Como que sob a forma de uma terrível premonição, antevemos nas palavras de William Morris as consequências catastróficas dessa realidade: desprezo pelo património histórico, destruição da paisagem natural, “desesteticização” da vida quotidiana, mais poluição e sujidade, desleixo, cedência a um luxo tão desnecessário quão desproporcionado: «o grande inimigo da arte é o luxo – a arte, assim, não sobrevive» (p. 59), «a arte repudia esse lado da civilização, ela é incapaz de respirar nas casas que assentam numa escravatura bafienta» (pp. 60-61). Começando por alterar o modo como vivemos nas nossas casas, eis a regra de ouro, o axioma, o imperativo categórico: «Tenha em casa apenas o que julgue ser útil e belo» (p. 64). Este elogio da simplicidade, de uma arte ao alcance de qualquer um, presente nos gestos mais simples, aliado às preocupações ecológicas, é, em medida cada vez mais certa, um preceito a ter em conta. Diz-nos o presente que o futuro que se avizinha não só nos pedirá essa mudança de hábitos, como, sob pena de uma destruição irreversível do meio em que vivemos, no-la exigirá. William Morris escreveu este texto em 1880.

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