segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

MAGNOLIA

Há demasiadas lágrimas nos sorrisos das pessoas. Magnólia (1999), de Paul Thomas Anderson, termina com uma mulher esvaída em lágrimas a sorrir. Ainda hoje não sei se hei-de ver naquele rosto uma lágrima que sorri ou um sorriso que chora. Tenho-me debruçado sobre o problema vezes sem conta, pelo menos desde que vi Magnólia como o mais exemplar filme da viragem do milénio. Ele há-de ficar para a história assim: um filme sobre as intercepções e os acasos que marcam o ritmo do mundo. Lágrimas em intercepção com sorrisos, sorrisos em natural intercepção com lágrimas. Paul Thomas Anderson, nascido em 1970, é o mais genial realizador da minha geração. Não apenas por Magnólia, mas sobretudo por Magnólia. Ele chama a nossa atenção para a face bizarra dos acontecimentos, para os aspectos que se escondem nas causas aparentes dos fenómenos. Talvez seja típico duma geração que já cresceu sob o manto nublado da morte de Deus mas não enjeita a insuficiência do conhecimento e da ciência. O mundo é assim mesmo? O mundo é sobretudo aquilo que não se deixa perceber. O amor, por exemplo. Esse amor que temos para dar e não sabemos onde pô-lo, como clama uma das mais eloquentes personagens deste filme. Falsas histórias de sucesso são as das vidas que se medem por um sucesso artificioso, todas as que Anderson nos mostra. Logros, ilusões, tubos de escape. O sucesso que esconde a ausência do amor, a dor da culpa, do sentimento de culpa, o desespero e a angústia da morte à espreita, a dor que não vai parar antes que despertemos e façamos qualquer coisa para mudar o mundo à nossa volta. Bem te podes resignar se nada fizeres, assim canta Aimee Mann numa das mais belas canções de sempre, uma das canções que Paul Thomas Anderson tão bem encaixa nos meandros da magnólia aqui plantada. «O que foi que eu fiz?» - a pergunta deixa de motivar qualquer tipo de sarcasmo. Porque o seu sentido, neste lugar, não é nada parcimonioso. É um sentido absoluto, primário e indispensável. Resposta: mentiras, arrependimentos, culpa, remorsos, numa trama de melancólicos estados de alma que por vezes se confundem com depressões profundas. A qualquer hora, qualquer um de nós pode experimentar a sensação de estar aqui para não mais do que o desperdício de ter aqui estado. Quis começar o ano com Magnólia, à espera de que uma chuva de sapos caia também sobre nós e nos traga alguma esperança. Disse nós? Foi só uma maneira de dizer. O que eu quero é chegar ao fim com outra sensação: a de que a culpa não me intimida.

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