sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

POEMAS

Uma nota prévia: todo o livro que traga na capa o nome de Oscar Wilde é um livro essencial, mesmo que seja um dos livros do ciclo “o bairro” de Gonçalo M. Tavares. Dito isto, não me importa minimamente a discussão em torno da maior ou menor “relevância poética” (expressão que [de resto] detesto) de Wilde. É demasiado comum para poder ser levada a sério a desconsideração da obra do autor de O Retrato de Dorian Gray. Borges, por exemplo, não resistiu: «a sua vida interessa mais que as suas obras». Porém acrescentou: «os escritos de Wilde (…) não têm outra virtude para além da perfeição». O detrimento da obra em prol da biografia não é atributo exclusivo do escritor irlandês, se bem que, em muitos casos, as excentricidades da vida sirvam de estribo à obra. Mas merecerão tal destino poemas como Sonnet To Liberty, Taedium Vitae e Désespoir (só para citar três dos mais breves)? Julgo que não. Por isso mesmo considero os Poemas este ano publicados pela Relógio D’Água, em suada tradução para a língua de Camões de Margarida Vale de Gato, dos livros mais marcantes deste 2005 em fase terminal. Trata-se de uma reunião equilibrada, dividida em três partes, que contempla as várias nuances do estro poético wildiano. Na primeira parte recolhe-se uma fracção de Poems, prima e única obra de poesia publicada por Wilde em vida (à excepção óbvia dos poemas disseminados por revistas e periódicos da época); na segunda parte, a que se deu o nome de Poemas Não Coligidos em Vida, compilam-se algumas das “sobras” do apaixonante escritor; a terminar, uma tradução irrepreensível de um dos mais célebres e longos poemas de Oscar Wilde: A Balada do Cárcere de Reading. Talvez não seja má ideia começarmos pelo fim. A Balada do Cárcere de Reading remete-nos para os anos tortuosos da vida do poeta, passados na prisão em consequência de uma condenação por indecência. Disso nos dá nota Margarida Vale de Gato no posfácio (e não no prefácio, como se diz na nota ao poema) e na cronologia biográfica que acompanham esta edição. Dispensando-me de considerações sobre os factos históricos, sublinho apenas o carácter (que eu diria) político do poema. Como todos os grandes poemas, também este pode inspirar múltiplas leituras. Eu prefiro lê-lo como uma longa interrogação sobre os paradoxos da justiça, para não dizer sobre toda e qualquer condição moral. Eis duas estrofes da V parte: «Não sei se são rectas as Leis, / Não sei se as Leis são injustas, / Neste cárcere, o que sabemos / É que a parede é robusta, / E que os dias são como anos, / E os anos são como lustros. // Mas isto sei: que toda a Lei / Que um Homem a outro deu, / Desde o crime contra Abel / Quando este mundo nasceu, / Só esgarça o trigo; deixa a espiga, / Com crivo que crispa o céu» (p. 171). Nas restantes secções nota-se claramente a opção em privilegiar a vertente “impressionista” desta poesia (com a tradução absoluta das composições denominadas Impressions), deixando de fora poemas de maior fôlego, como sejam The Garden of Eros, The Burden of Itys, Charmides, Humanitad, Ravenna, The Sphinx. Compreende-se que assim tenha sido, nomeadamente pelas rigorosas opções da tradução. Quanto a The Sphinx é-nos inclusivamente revelada uma malograda tentativa de tradução. A tradução bilingue ajuda a perceber que não deverá ser de todo labor ligeiro a fidelidade à musicalidade de Oscar Wilde. Ainda assim, somos brindados com um conjunto de poemas onde ficam claros três aspectos, quanto a mim essenciais, desta obra poética: a inclinação helénica (muitos dos poemas de Wilde ou possuem títulos em grego, ou abrem com epígrafes de Homero, Aristófanes, Eurípedes, etc, ou recriam a antiga mitologia grega); a de um poeta-pintor (expressão por si usada a propósito de Keats no poema O Túmulo de Keats); e, por fim, a de um homem permanentemente a contas com as paixões. Wilde é um dos grandes poetas das paixões, desses que colocaram a liberdade no topo da pirâmide valorativa. A exaltação da Liberdade (em maiúsculas), pela afirmação das paixões, é uma constante nos seus versos. Aceitar-se a si próprio e aos outros, não tanto pela doutrina convencional como pelo Amor à Vida, era o programa de Wilde. Dele damos conta, por exemplo, nestas duas estrofes iniciais de Panthea: «Não, caminhemos do fogo ao fogo, / Da dor apaixonada ao mais mortal prazer - / Sou ainda muito novo para viver sem desejo, / E tu muito nova para gastares a noite de Verão / Com vãs questões, que os homens desde sempre / Buscaram de videntes e oráculos, sem ter resposta. // Porque, minha querida, melhor é sentir do que saber, / E a sabedoria é uma linhagem sem filhos; / Uma palpitação de amor – o primeiro fulgor juvenil - / Valem bem o tesouro dos provérbios de um sábio; / Não atormentes a tua alma como filosofia morta: / Não temos nós lábios para beijar, corações para amar, olhos para ver?» (p. 67)

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